Um primata nada especial

 

Um estudo brasileiro acaba de contestar uma ideia largamente aceita desde o século 19: a de que a maior capacidade cognitiva do ser humano se deve a seu cérebro relativamente avantajado. Os resultados mostram que o tamanho e o número de neurônios do cérebro humano são compatíveis com os de um primata de nosso porte – nem maiores, nem menores do que o esperado.

Os pesquisadores, liderados pela neurocientista Suzana Herculano-Houzel, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descobriram que o cérebro humano tem 86 bilhões de neurônios – e não 100 bilhões, como se acreditava anteriormente. Esse número – na verdade apenas uma estimativa de ordem de grandeza – era amplamente difundido até então, tanto que batiza um livro e a coluna que Roberto Lent – professor da UFRJ e co-autor do trabalho – mantém na CH On-line.  

O novo número de neurônios do cérebro humano – calculado oficialmente pela primeira vez – permanece maior do que o de nossos parentes evolutivos, mas é bem próximo do previsto para um cérebro primata do tamanho do nosso, com cerca de 1,5 kg.

Além disso, o estudo mostrou que a quantidade de células gliais (responsáveis pelo suporte e nutrição dos neurônios e pela manutenção das sinapses) no cérebro é quase a mesma dos neurônios – 84 bilhões. A conclusão derruba outro mito amplamente consolidado: o de que haveria no cérebro humano dez células gliais para cada neurônio.

O cálculo do número total de neurônios no cérebro só foi possível graças a um método – chamado de fracionador isotrópico – desenvolvido no Laboratório de Neuroanatomia Comparada da UFRJ. Até então, era difícil estimar com grande precisão a quantidade dessas células, pois a contagem era feita com base em amostras do cérebro, que tem uma distribuição de neurônios muito heterogênea.

O novo método supera esse obstáculo, pois o cérebro é transformado em uma mistura homogênea. Primeiro, o órgão é picado em pedaços e amassado em detergente até que todas as suas células se desfaçam e seus núcleos sejam liberados e fiquem em suspensão. Em seguida, a mistura é agitada até ficar homogênea.

Uma amostra dessa “sopa” é então colhida e analisada ao microscópio para que o número de núcleos presentes seja contabilizado. Os núcleos de neurônios são marcados com corante para serem identificados. A partir da quantidade de neurônios existente na amostra, os pesquisadores conseguem estimar o número dessas células em todo o cérebro.

Nem maior, nem menor
Os resultados, que serão publicados em breve no Journal of Comparative Neurology, são compatíveis com as regras que orientam o processo de formação do cérebro de primatas. Em estudo anterior, feito em parceria com pesquisadores da Universidade de Vanderbilt (Estados Unidos), a equipe mostrou que o cérebro de primatas cresce linearmente à medida que ganha neurônios, uma vez que o tamanho médio dessas células nervosas não se altera.

Com base nessas regras, os pesquisadores concluíram que um primata com 86 bilhões de neurônios deveria ter o cérebro exatamente do tamanho do nosso, com 1,5 kg. Isso significa que “o cérebro humano é apenas um cérebro grande de primata”, como conclui Herculano-Houzel em seu blog, no qual apresentou recentemente os resultados de sua pesquisa.

A ideia amplamente aceita de que o cérebro humano seria maior do que o esperado baseia-se na estrutura física de gorilas, orangotangos e chimpanzés. Esses animais têm o corpo maior do que o nosso, mas seus cérebros são bem menores.

Os pesquisadores brasileiros propõem agora uma hipótese alternativa: todos os primatas – incluindo os humanos – têm cérebros formados do mesmo modo. A diferença é que os corpos de orangotangos, gorilas e chimpanzés cresceram exageradamente em relação ao cérebro que possuem. “Nosso cérebro é feito à semelhança do cérebro dos demais primatas – apenas maior”, enfatiza Herculano-Houzel. 

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
19/02/2009