Dores e solidão no exílio:
Cartas de cientistas perseguidos pela ditadura militar

Cartas, aerogramas e cartões-postais enviados e recebidos por cientistas perseguidos pela ditadura militar (1964-1985) no Brasil revelam uma faceta íntima, informal e reflexiva de como muitos deles enfrentaram a interrupção de suas vidas profissionais, a cassação e o exílio. A análise desse material – cujo foco aqui é a troca de correspondência, por cerca de uma década, entre dois renomados pesquisadores brasileiros – se mostra um testemunho vivo dos impactos individuais e coletivos causados pela repressão a partir do golpe civil-militar de 1964.

“Mas vamos trabalhando numa solidão, em casa, que tem algumas vantagens ainda, mas não sei por quanto tempo. […] fico no mais absoluto silêncio limitando-me, às vezes, a tirar fotografias de pássaros que chegam na varanda”. Essas foram as palavras do médico e fisiologista Haity Moussatché (1910-1998), do Rio de Janeiro (RJ), em carta de 29 de maio de 1970 endereçada ao físico teórico José Leite Lopes (1918-2006). 

Quase quatro meses depois (13 de setembro), veio a resposta do colega, de Estrasburgo (França), em forma de lamento: “Pois as saudades são grandes […]. É o exílio. É o peso do exílio. É a dor do exílio”.

A correspondência entre esses dois amigos (figura 1) revela a dramaticidade da experiência mais imediata da cassação e do exílio impostos pela ditadura militar no Brasil: a impossibilidade de trabalhar no país; a solidão como rotina; as saudades dos filhos e da família; a preocupação com os colegas, alunos e amigos, os que partiram e os que ficaram.

Figura 1. Em cima, o médico e fisiologista Haity Moussatché (esquerda), por volta de 1970, e o físico teórico José Leite Lopes (direita); embaixo, trecho de carta de Leite Lopes para Moussatché

CRÉDITO: CASA DE OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ)/ CBPF