A amarga experiência das cruzadas

Na Idade Média, entre 1095 e 1291, peregrinos plebeus e nobres cristãos conduziram oito expedições da Europa ao Oriente Médio. De caráter militar e religioso, elas pretendiam reconquistar Jerusalém — a ‘Terra Santa’ — do domínio muçulmano. Mas não eram movidas apenas pela fé. Uma mistura de interesses políticos e econômicos também motivou um dos capítulos mais ricos da história: o movimento das cruzadas.

null Fascinados por esse episódio têm agora mais uma opção para conhecê-lo melhor: o livro História ilustrada das cruzadas , de W.B. Bartlett. A obra fornece um apanhado dos principais eventos das cruzadas, contextualiza-os e apresenta as supostas razões por trás do movimento de reconquista de Jerusalém. Bartlett amparou-se em uma vasta bibliografia que abrange de estudos contemporâneos sobre o tema a relatos de cronistas da época — cujas observações estavam longe da imparcialidade.

O autor explica que o fim do século 11 apresentou as condições ideais para o início da primeira cruzada: havia um forte sentimento religioso na Europa incentivado pelo papa Urbano II. Ele recebeu em 1095 uma carta de Alexius, importante estadista em Bizâncio, que pedia sua ajuda ‘para a defesa da Santa Igreja contra os pagãos’.

Como resposta, o papa passou a pregar que era dever dos cristãos tomar as armas em nome de Deus, pois ‘era preciso voltar-se contra os inimigos da fé’ e recuperar a Terra Santa. O que se seguiu foi uma onda de terror que varreu o Oriente Médio, incentivada pelo militarismo da Europa Ocidental.

Os cruzados armaram-se com o emblema dos peregrinos, o que mostrava que a empreitada militar também tinha motivação espiritual. Tratava-se de uma guerra santa, um jihad cristão. O interesse em reconquistar Jerusalém também era de ordem política e econômica, por significar o domínio do Ocidente sobre o Oriente. Mas não foi o que ocorreu. Não havia comando unificado no exército dos cruzados. Cada força dirigia-se para o Oriente de forma independente, com líderes movidos por ambições próprias.

Antes que as cruzadas terminassem, tornou-se evidente sua falta de propósito, coesão e comando. Houve progresso econômico em muitas cidades — além de um forte intercâmbio literário, artístico e comercial com o Oriente -­, mas, segundo Bartlett, nada compensa o terror provocado. Cruzados e muçulmanos dizimaram-se, sofreram com a falta de água e chegaram a beber a própria urina e chupar sangue da veia de animais para saciá-la.

Como constata o autor, as cruzadas foram uma amarga experiência para todos os envolvidos. As ilustrações do livro — reproduções de manuscritos, tapeçarias, diagramas, pinturas ou entalhes de porta de catedrais — ajudam a compor o cenário do movimento. O fato de estarem em preto e branco compromete a apreciação das imagens, que mantêm no entanto seu valor como registro histórico. Mas que o leitor fique atento: em meio a um movimento que durou praticamente dois séculos, não é difícil perder-se na imensa variedade de personagens e locais descritos.

 

História ilustrada das cruzadas
W.B. Bartlett (trad.: Nelson de Almeida Filho)
São Paulo, 2002, Ediouro
502 páginas; R$ 49

Elisa Martins
Ciência Hoje on-line
02/04/03