A Amazônia no senso comum: riqueza ignorada

Inferno ou paraíso. Esses são dois dos conceitos que norteiam a construção de grande parte dos discursos sobre a Amazônia. Generalistas, resumem muitos dos preconceitos encontrados na percepção usual que a população brasileira tem da região. Essa percepção reflete o discurso dos veículos de comunicação e livros didáticos, que subestimam a realidade plural da Amazônia e não contemplam, por exemplo, a enorme variedade ecológica, as múltiplas organizações sociais ou os diferentes modelos de exploração econômica.

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Imagens freqüentemente associadas à Amazônia no senso comum

Essas são algumas das constatações de uma dissertação de mestrado em geografia humana recém-defendida na Universidade de São Paulo (USP). O objetivo da autora, Magali Bueno, foi identificar as imagens associadas à Amazônia e o significado atribuído a essa expressão. Ela estudou desde crônicas e ilustrações dos primeiros viajantes europeus, que no século 16 exploraram a Amazônia, até periódicos dirigidos ao grande público da segunda metade do século 20. O Cruzeiro, Realidade e Veja são exemplos de revistas analisadas pela pesquisadora, que também entrevistou 80 pessoas em São Paulo, Manaus e Belém.

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Capa de algumas das revistas analisadas no estudo

As imagens mais comuns da região são as que retratam uma paisagem homogênea e indicam vazio demográfico, assim como aquelas que captam os índios em seus estados ’naturais’. “Embora haja ambigüidade no discurso da mídia, predomina um imaginário estereotipado do índio brasileiro: a ênfase das imagens é dada a adornos plumários e pinturas corporais”, explica Bueno. “Há uma representação homogeneizadora sobre a região e é desta forma que ela é apreendida pelo senso comum.”

Seu estudo demonstra que na maioria das vezes as reportagens reverberam as políticas federais para a Amazônia. Tal conclusão foi obtida a partir da comparação do tratamento dado aos mesmos assuntos em épocas diferentes. A evolução do discurso da mídia sobre o desmatamento é um bom exemplo.

Na década de 1950 foi publicada foto da derrubada de uma árvore por caboclos da região com instrumentos primários com um texto que exaltava o desbravamento de uma região inóspita e selvagem numa perspectiva desenvolvimentista. Já nos anos 1970, outra foto de desmatamento é vinculada ao integracionismo militar, que previa a aproximação da região ao resto do país por meio da construção de estradas. E, finalmente, a partir da década de 1980, é incorporado o discurso ambientalista, com fotos que procuram dar dimensões catastróficas ao desmatamento de parte da floresta. Bueno lembra que esse último enfoque poderia estar relacionado à “busca da sociedade ocidental moderna pela retomada do contato com a harmonia da natureza”.

A geógrafa defende que as coberturas jornalística e didática só poderiam minimizar as generalizações e preconceitos se fossem pautadas por enfoques mais específicos. “Não é possível fazer uma matéria sobre ’a’ Amazônia. Seria mais coerente discorrer sobre ’uma das amazônias’ possíveis: há a Amazônia de Manaus, a do sul do Pará, a de uma comunidade indígena específica, a de um grupo de garimpeiros.”

Julio Lobato
Ciência Hoje On-line
23/10/03