A cor do crescimento econômico

Ninguém sabe, ninguém viu. A Rio+20 acabou e um dos conceitos-chave da conferência, o de economia verde, permaneceu obscuro, em meio a críticas e definições teóricas.

“O conceito de economia verde ainda é uma ideia utópica, quase uma abstração.” Foi o que disse o engenheiro agrônomo Gonçalo Guimarães, da Universidade Federal do Rio de janeiro, em evento paralelo à Rio+20 realizado pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/ UFRJ).

Guimarães: “O conceito de economia verde ainda é uma ideia utópica, quase uma abstração.”

Para o economista Joan Martinez Alier, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), o uso da expressão é apenas estratégia de marketing. Segundo ele, formulações teóricas verdes vêm sendo discutidas há décadas – e, até o momento, o que observamos é apenas a intensificação dos problemas socioambientais ao redor do globo. “Desenvolvimento sustentável, economia verde, chame como quiser. Nada disso funciona na prática”, opinou o economista. “E, cedo ou tarde, as Nações Unidas vão precisar de um novo relações públicas para renovar o slogan.”

Anantha Duraiappah, economista do Programa de Dimensões Humanas das Mudanças Ambientais Globais, de Bonn (Alemanha), tende a concordar. “Economia verde é o termo da moda”, disse em sua palestra durante o fórum do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês), outro evento paralelo à Rio+20.

Mas Duraiappah, que é uma das principais cabeças por trás do novíssimo Índice de Riqueza Inclusiva, avançou na discussão ao afirmar que, sim, é possível adotar, na prática, medidas relevantes para evoluirmos rumo a um novo equilíbrio entre sociedade e natureza. “Tecnicamente isso já é possível”. Porém, ressalvou o economista malásio, “vivemos uma inércia político-institucional que impede qualquer mudança profunda”.

O economista inglês Tim Jackson, da Universidade de Surrey (Inglaterra), critica a noção de economia verde, porque ela tenderia a repetir a lógica do crescimento como objetivo prioritário. “É a psicologia humana que está na essência dos dilemas econômicos atuais”, afirmou.

Ele ressaltou que a lógica da economia contemporânea é o louvor ao individualismo e ao consumismo. “Mas será que nós, humanos, devemos ser reduzidos a seres racionais hipnotizados pelo consumo?”, questionou. “Evolução civilizatória não é a acumulação de riqueza, e sim a convivência harmônica entre os indivíduos.”

Cartaz contra a economia verde
Cartaz com a frase ‘Nós rejeitamos a economia verde’ exibido no Riocentro, onde aconteceram as discussões da Rio+20. (foto: Henrique Kugler)

Comentando o cenário geral em que o debate se insere, o engenheiro Sidney Lianza, da UFRJ, foi bastante enfático. “O capitalismo produziu um ciclo de lógicas econômicas e sociais descaradamente insustentáveis; agora se pensa em pegar um balde de tinta e pintar tudo de verde”, criticou. “Mas não adianta pintar de verde, amarelo ou azul as contradições sociais que vivenciamos.”

Economia domesticada

Apesar das muitas críticas – algumas mais brandas, outras mais ácidas –, há quem esteja trabalhando a todo vapor para que o termo ‘economia verde’ deixe de ser uma distante ilusão e passe a integrar as rotinas produtivas da sociedade. Pelo menos no plano teórico, a coisa anda em bom ritmo.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) já elaborou sua definição formal, ainda que etérea, de economia verde. Nenhuma grande surpresa: “uma economia de baixo carbono, eficiente no uso dos recursos naturais e capaz de promover inclusão social”.

Outra organização dedicada ao tema é a Aliança da Economia Verde, provavelmente a maior entidade mundial dedicada ao desenvolvimento de políticas baseadas nesse conceito. O grupo é formado por atores tão diversos quanto o Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês), a Philips, a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial do Trabalho, entre várias outras instituições.

Stanton: “Na prática, não sabemos o que é economia verde; mas sabemos o que não é”

Em síntese, a organização entende o conceito como, simplesmente, uma economia “capaz de gerar qualidade de vida para todos nós, dentro dos limites ecológicos do planeta”, conforme explicitou o manifesto que o grupo distribuiu pelos pavilhões do Riocentro, onde aconteceram as discussões da Rio+20.

Mas há uma grande distância entre teoria e prática, como ressaltou a economista Liz Stanton, do Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia). “Na prática, não sabemos o que é economia verde; mas sabemos o que não é.” Ela lembrou que, não raras vezes, produtos e serviços são vendidos como parte de projetos ambientalmente sustentáveis ou coerentes com a nova doutrina verde quando, na verdade, não se enquadram na definição do Pnuma.

Seja lá o que for economia verde, talvez a discussão, mesmo que vaga, já tenha atingido uma meta importante: colocar em pauta um assunto urgente.

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line