Células-tronco, robôs e até estímulos luminosos: as estratégias usadas para tentar curar lesões na medula espinhal são diversas. Agora um estudo publicado na revista Nature Communications mostrou que a solução pode estar na própria medula. Ao transformar astrócitos (células com formato de estrela responsáveis por dar suporte ao sistema nervoso) em neurônios em testes com camundongos, pesquisadores deram o pontapé inicial para a possível regeneração da espinha dorsal.
A técnica se divide em duas partes. Primeiro, os cientistas introduzem um vírus contendo o gene SOX2 nos astrócitos da medula lesionada do camundongo. Tal gene é capaz de converter os astrócitos em neuroblastos, células progenitoras que dão origem a neurônios. A seguir, o camundongo recebe ácido valproico, medicamento comumente usado para tratar epilepsia e transtorno bipolar, mas que, nesse caso, impulsiona o amadurecimento dos neuroblastos em neurônios.
Diferentemente de técnicas em que a célula é reprogramada in vitro para depois ser implantada no camundongo, o método usado no estudo faz com que a célula retorne ao estágio de progenitora dentro do próprio animal. “Por serem produzidos localmente, esses neurônios têm maior chance de formar conexões com neurônios preexistentes”, explica o geneticista Chun-Li Zhang, pesquisador da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, e coautor do estudo. “Além disso, o neurônio é produzido a partir de um astrócito do próprio paciente, o que evita rejeição pelo sistema imune.”
O pesquisador esclarece que a produção de neurônios na medula é muito limitada e os próprios astrócitos impedem a regeneração do órgão após a lesão. Ao formar uma espécie de cicatriz no local lesionado, os astrócitos criam uma barreira física e liberam substâncias que impedem que neurônios localizados antes da lesão se comuniquem com os que estão depois dela. “Mas é importante salientar que os astrócitos normais são benéficos para o sistema nervoso e que o nosso objetivo é converter em neurônios apenas os astrócitos da cicatriz”, esclarece.
Zhang destaca outro ponto positivo da técnica: após observar os camundongos por um ano, não foi identificada formação de tumor nos animais. Esse efeito adverso preocupa os cientistas que trabalham com conversão de células adultas em células progenitoras.
Resultados preliminares
Apesar das vantagens, os resultados obtidos com a terapia ainda são preliminares. Segundo Zhang, a quantidade de astrócitos convertida em neurônios é baixa; portanto, não foi possível medir o grau de recuperação da medula espinhal dos camundongos após o tratamento.
“Cerca de 6% dos astrócitos que receberam o gene foram convertidos, o que equivale a alguns milhares de neurônios produzidos”, diz. Por conta disso, a equipe não fez testes para saber se os animais, que tinham lesão medular severa, conseguiram recuperar a capacidade de locomoção.
Mas o pesquisador está esperançoso quanto aos próximos passos da pesquisa. Agora, a equipe pretende analisar formas de converter os astrócitos em um número maior de neurônios, além de avaliar se esses neurônios conseguem se conectar com as células preexistentes, transmitindo informações a elas. “Por último, pretendemos fazer testes que permitam identificar se a medula espinhal desses camundongos recuperou sua função por completo”, finaliza o geneticista.
Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line