A fera terrível de Minas Gerais

Uma nova espécie brasileira de crocodilo pré-histórico – o Uberabasuchus terrificus – foi apresentada por pesquisadores do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, de Minas Gerais. O fóssil do crocodilo de 70 milhões anos foi encontrado em setembro de 2000 em um sítio paleontológico no bairro de Peirópolis, na cidade de Uberaba no Triângulo Mineiro.

Situado no topo da cadeia alimentar, U. terrificus foi um dos maiores predadores da era Mesozóica e se alimentava de diversos animais, inclusive pequenos dinossauros. Clique na imagem para ampliá-la. (arte: Ariel Milani Martine)

O estudo do material, publicado na revista Gondwana Research

, elucidou questões sobre a evolução e comportamento dos crocodilomorfos – grupo de animais contemporâneos dos dinossauros e parentes distantes dos crocodilos e jacarés atuais. A descoberta permitiu ainda inferências sobre a configuração das massas terrestres que compunham o antigo supercontinente Gondwana na época em que o animal viveu.

 

“O esqueleto é um achado único, um verdadeiro tesouro”, comemora o paleontólogo Luiz Carlos Ribeiro, do Centro de Pesquisas Paleontológicas de Uberaba. Trata-se de um dos mais completos espécimes já encontrados no país, com cerca de 70% de seu esqueleto preservado.

 

O U. terrificus

é considerado um dos maiores predadores da era Mesozóica, no final do período Cretáceo, quando houve a extinção em massa dos dinossauros. Estima-se que o animal atingia até três metros de comprimento e pesava cerca de 300 kg, encaixando-se no topo da cadeia alimentar. Seu porte e dentição indicam que ‘a fera terrível de Uberaba’ era capaz devorar praticamente tudo o que lhe passasse pela frente, de tartarugas a pequenos dinossauros.

 

“As narinas posicionadas na região frontal do crânio, similares a um focinho, e as orbitais oculares nas laterais da cabeça indicam que esse animal era extremamente terrestre, que não dependia diretamente da água”, diz o paleontólogo Ismar Carvalho, coordenador do estudo na UFRJ. “Ele também possui membros locomotores eretos e patas bem desenvolvidas, que certamente possibilitavam que a fera fosse mais ágil que os crocodilos atuais e hábil para se deslocar com facilidade por longas distâncias em terra firme.”

O U. terrificus escavado em Peirópolis é um dos mais completos já encontrados no país, com cerca de 70% do esqueleto preservado.

De acordo com características de seu crânio, o U. terrificus foi classificado como o quinto membro da clássica família de crocodilomorfos Peirosauridae. Fazem parte de sua genealogia três outros crocodilomorfos sul-americanos – dois brasileiros, também encontrados em Minas, e um argentino, descoberto na Patagônia – e um africano (escavado em Madagascar). “Todos esses achados anteriores possuíam materiais muito fragmentados, o que dificultava a visualização das características familiares”, aponta o paleontólogo Leonardo Avilla, doutorando da equipe da UFRJ.

A observação de animais com mesma identidade em áreas tão longínquas reforça a hipótese da existência e dispersão do supercontinente Gondwana. A possível rota de evolução traçada pelos animais da família Peirosauridae sustentaria essa idéia. “Acreditamos que havia uma conexão entre a América do Sul e a África pelo continente antártico que, na época, apresentava um clima bem mais ameno que o atual, com florestas subtropicais exuberantes”, explica Carvalho. O pesquisador afirma que é possível prever a ocorrência desse mesmo grupo de animais na Antártida.

O estudo do U. terrificus possibilitou ainda a elucidação da evolução dos crocodilos terrestres no antigo continente de Gondwana. “A análise do material nos fez propor uma reorganização de crocodilomorfos em 12 novos grupos”, destaca Carvalho. O esqueleto completo do animal ficará exposto no Museu de Uberaba para estimular o turismo local.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
22/02/05