A história da descoberta da Aids

Saiba como Montagnier isolou o HIV e Gallo demonstrou que era o causador da doença

Provar que um determinado agente infeccioso causa uma doença é difícil, especialmente no caso de doenças como a Aids, nas quais a exposição ao agente é seguida por um período de incubação de meses ou até anos antes que os primeiros sintomas apareçam. Além disso, a imunodeficiência provocada pela Aids permite que organismos normalmente não patogênicos ou latentes manifestem sintomas, o que confundiu os primeiros cientistas a estudar a doença.

Robert Gallo, pesquisador do Instituto de Virologia Humana da Universidade de Maryland (EUA), e Luc Montagnier, presidente da Fundação Mundial para a Pesquisa e Prevenção da Aids, em Paris (foto: University of Maryland Biotechnology Institute)

Luc Montagnier estudava retrovírus causadores de câncer em humanos quando ouviu falar da Aids pela primeira vez e resolveu pesquisar a causa da doença em 1982. Robert Gallo havia declarado achar que era causada por um retrovírus. A partir da amostra da biópsia de um paciente com linfadenopatia (inflamação dos gânglios linfáticos, um dos primeiros sintomas da Aids), Montagnier fez um cultivo de linfócitos T. Duas semanas depois, em janeiro de 1983, foram descobertos no cultivo traços de transcriptase reversa, enzima presente apenas nos retrovírus, o que confirmou a hipótese de Gallo.

Meses depois, em junho do mesmo ano, Montagnier conseguiu isolar o vírus das células sangüíneas de um paciente com Aids em estado avançado. O vírus cresceu rapidamente na cultura de células do paciente e matou-as. Montagnier observou que ele também matava células de outras pessoas. O cientista chamou o vírus em estágio avançado de infecção de IDAV (vírus associado à imunodeficiência) e o vírus do primeiro paciente de LAV (vírus associado à linfadenopatia) Ele usou o termo ‘associado’ porque não tinha certeza de que os vírus causavam a Aids.

Gallo também estudava retrovírus e foi o primeiro a isolar o HTLV, vírus causador de leucemia em humanos. O americano achava que a Aids era causada por um vírus da família do HTLV, pois os modos de transmissão eram os mesmos e ambos atacavam os linfócitos T. Sua equipe conseguiu cultivar linfócitos T de um paciente com Aids: a amostra continha dois tipos de vírus que eles chamaram de ‘maduro’ e ‘aberrante’, pois acreditavam que eram formas de um mesmo vírus. Mais tarde descobriram que a amostra continha dois vírus diferentes: o HTLV e a forma aberrante, mais tarde chamada de HIV. Gallo conseguiu isolar o segundo vírus e, em março de 1984, publicou quatro artigos na Science , nos quais descrevia o cultivo do novo retrovírus, os métodos usados para o cultivo contínuo do HIV, a análise de suas proteínas e a evidência de que ele causava a Aids.

O período após a publicação de Gallo foi marcado por rápidos avanços. Em 1985 o genoma do HIV foi seqüenciado e a maioria de suas proteínas foram identificadas. Em 1986 os exames para detectar o HIV se tornaram comercialmente disponíveis, o que reduziu a quase zero a transmissão da Aids por transfusão de sangue em países desenvolvidos. Em 1987 surgiu o AZT, primeira droga anti-HIV. Em 1995 surgiu o ‘coquetel’ de drogas contra Aids, que melhorou substancialmente a vida dos portadores do vírus. E novas descobertas são ansiosamente esperadas.

Adriana de Melo
Ciência Hoje on-line
07/01/03