A história do homem contada pelo piolho

 

É consenso que piolhos são insetos parasitas muito incômodos. Mas um artigo publicado em 5 de outubro na revista PloS – Biology mostrou que eles também podem ser grandes aliados em estudos sobre evolução humana. A pesquisa mostrou que uma mesma espécie de piolhos de cabeça infestou humanos arcaicos e modernos, o que pode significar que o Homo sapiens conviveu com ancestrais extintos.

Piolho moderno ( Pediculus humanus )
visto ao microscópio eletrônico (foto:
Vincent S. Smith, Univ. de Glasgow)

A vantagem de estudar a evolução humana pela de seus parasitas é contar com mais material de pesquisa, já que fósseis de espécies extintas de hominídeos são escassos e trazem dados pouco precisos. Como os piolhos evoluíram junto com seus hospedeiros, seu DNA carrega informações que podem contar também um pouco da trajetória humana na Terra.

 

Para isso, os pesquisadores analisaram a aparência física e o DNA mitocondrial dos piolhos que infestam os humanos modernos ( Pediculus humanus) de forma a organizar uma árvore genealógica do parasita. Essa espécie tem duas linhagens genéticas distintas. O estudo situou a separação de ambas há cerca de 1,18 milhão de anos – aproximadamente no mesmo período em que houve a divergência evolutiva que separou o Homo erectusdo homem moderno, o H. sapiens

.

 

Os pesquisadores afirmam que cada tipo de piolho infectou uma dessas espécies de hominídeo. Nesse caso, a linhagem presente no H. erectus

deveria ter desaparecido quando essa espécie se extinguiu. No entanto, genes de ambas as linhagens são encontrados nos piolhos atuais. “O fato de piolhos de hominídeos arcaicos existirem em humanos modernos significa que eles não apenas coexistiram durante algum tempo, mas também tiveram contato”, afirma Dale Clayton, professor da Universidade de Utah, nos EUA, e um dos autores da pesquisa.

 

As conclusões do estudo reforçam uma hipótese sobre a evolução humana conhecida como modelo das ondas de dispersão. Segundo essa teoria, os humanos modernos deixaram a África rumo a outros lugares do mundo em ondas migratórias distintas, conviveram com hominídeos arcaicos por algum período e impuseram-se geneticamente.

 

Outro autor da pesquisa, David Reed, do Museu de História Natural da Flórida, afirma que, quando se descobriu que o H. sapienshavia convivido com o H. neanderthalensis, houve suspeita de que o contato tenha causado a extinção deste. “Nossa pesquisa traz evidências de que o contato com o H. erectus

foi imediatamente anterior à sua extinção”, informa Reed, “Será que causamos o desaparecimento de duas outras espécies humanas?”.

 

Talvez. Mas a segunda fase da pesquisa pode gerar mais surpresas. Clayton pretende estudar parasitas da espécie Pediculus pubis– popularmente conhecidos como chatos –, que requerem contato sexual para serem transmitidos. “Se alcançarmos resultados parecidos aos da pesquisa com os piolhos P. humanus, isso poderá sugerir que humanos arcaicos e modernos tiveram contato sexual”, conjectura.

Aline Gatto Boueri
Ciência Hoje On-line
26/10/04