A língua é viva

O poeta brasileiro Olavo Bilac (1865-1918) já descrevia a língua portuguesa como algo vivo. Essa característica, aliás, é atribuída pelos linguistas a todos os idiomas. Mas só agora essa ideia foi provada. Psicólogos norte-americanos relacionaram as características de mais de 2 mil idiomas com as condições sociais dos povos que os falam mundo afora. A pesquisa revelou que as línguas se desenvolvem de modo similar aos organismos vivos, de acordo com as pressões do ambiente. As línguas mais faladas tornam-se mais adaptadas e simples.

A língua é, em parte, determinada pela estrutura social de seus falantes, e não por eventos históricos ou por acaso

O estudo, publicado na revista PLoS One, propõe que a língua é, em parte, determinada pela estrutura social de seus falantes, e não por acaso ou por eventos históricos, como muitos teóricos defendem. Para provar isso, pesquisadores das universidades de Pensilvânia e Memphis, nos Estados Unidos, traçaram relações entre as propriedades demográficas de uma língua – como população de falantes e distribuição pelo globo – e sua complexidade gramatical. Eles descobriram que línguas com mais falantes espalhados pelo mundo tendem a ter gramática mais simples do que idiomas falados por poucas pessoas.

Segundo os cientistas, idiomas com mais de 100 mil falantes têm seis vezes mais chance de apresentar conjugações verbais simples do que idiomas com menos de 100 mil adeptos. Por isso, línguas faladas por muitas pessoas em muitos lugares diferentes, como o inglês, são mais fáceis de serem aprendidas do que idiomas como o hadza, da Tanzânia, que tem menos de 200 falantes.

“O inglês, apesar de sua ortografia confusa, tem uma gramática simples”, diz um dos autores da pesquisa, o psicólogo Garry Lupyan, da Universidade da Pensilvânia. “Os verbos são fáceis de se conjugar e o plural dos substantivos é feito somente com a adição do s”. Isso explicaria por que a língua inglesa se tornou global e continua conquistando mais e mais falantes, enquanto o hadza, com suas mais de doze formas de formar o plural, não.

Localização de populações falantes de várias línguas
O mapa mostra a localização geográfica das populações falantes das 2.236 línguas estudadas pelos pesquisadores norte-americanos (fonte: PloS One).

Processo de simplificação

O estudo responde a uma velha questão estilo pegadinha: uma língua é simples porque é falada por muitas pessoas ou é falada por muitas pessoas porque é simples? Segundo Lupyan, a simplificação de um idioma ocorre à medida que ele é aprendido por mais pessoas mundo afora. “Se tivéssemos vivido circunstâncias históricas diferentes e a língua dos índios norte-americanos Navajo se tornasse a língua global, então, com o tempo, ela se simplificaria”, diz o psicólogo.

A introdução de falantes faz com que os aspectos mais difíceis de um idioma tenham menos chance de ser aprendidos e passados para as gerações futuras

A pesquisa destaca a importância do aprendizado do idioma já na vida adulta nesse processo de simplificação de uma língua. A introdução de falantes, devido à migração, por exemplo, faz com que os aspectos mais difíceis de um idioma tenham menos chance de ser aprendidos e passados para as gerações futuras. “Adultos aprendendo determinada língua podem afetar a trajetória de sua gramática e morfologia mesmo quando fazem parte de uma minoria populacional”, afirma Lupyan.

Um desafio que permanece para os pesquisadores é saber por que línguas pouco faladas são tão complexas. Uma hipótese levantada por eles é a de que uma estrutura gramatical complicada, embora seja uma dificuldade para adultos, pode facilitar o aprendizado das crianças por conter mais redundâncias. No português, por exemplo, se falamos “Os gatos são pretos”, indicamos quatro vezes que há mais de um gato, enquanto no inglês o plural está indicado apenas no substantivo e no verbo.

Outra possibilidade seria a de que a complexidade linguística de populações pequenas não tenha qualquer razão funcional e seja apenas consequência do modo de transmissão fechado da língua. Se em uma grande população de falantes as repetições desnecessárias do idioma se perdem, em uma pequena comunidade elas permanecem, assim como acontece na brincadeira do telefone sem fio.

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line