Ter uma alimentação balanceada, praticar exercícios e usar diariamente protetor solar são atitudes que hoje fazem parte da vida de muitas pessoas. Na maioria das vezes, mais que necessárias para combater doenças já existentes, tais ações buscam minimizar os riscos de desenvolver futuros problemas de saúde.
Essa noção de risco, que começou tímida em meados do século passado, tem atualmente participação vigorosa em nosso cotidiano e cumpre uma função bastante positiva no sentido da prevenção.
O problema é quando a preocupação em evitar riscos passa a ser exagerada, seja por incentivo da indústria da saúde ou por pressão da própria sociedade. Nesse caso, o acesso ao conhecimento, que deveria oferecer maior tranquilidade para lidar com as ameaças à saúde, torna-se fonte de mais inquietação e ansiedade.
“Não devemos demonizar a noção de risco, mas o espírito da nossa época transformou isso em algo obsessivo”, observa Luis David Castiel, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz. Ele é um dos autores do livro Correndo o risco: Uma introdução aos riscos em saúde, publicado recentemente pela Editora Fiocruz.
Na avaliação de Castiel, o afã de lidar com as ameaças à saúde torna as medidas de prevenção exageradas. “Na hora em que alguém decide se vai ou não ingerir gorduras saturadas, se vai se dedicar a exercícios físicos, fumar ou não fumar, tudo isso faz com que esse indivíduo esteja todo o tempo preocupado. Estamos todo o tempo envolvidos em práticas para afastar a ameaça. Considero que aí a vida fica muito mais difícil”, observa o pesquisador.
Ditadura do risco
A questão é polêmica, principalmente porque implica em desafiar conhecimentos estabelecidos, presentes no discurso de boa parte dos profissionais da área de saúde. Para Castiel, existe um interesse da indústria farmacêutica em perpetuar o discurso da prevenção a qualquer preço.
“Vivemos numa sociedade em que a prevenção também é uma forma de transformar alguém num paciente, ou num pré-paciente, sem que haja necessariamente um médico tratando”, observa o pesquisador.
Além disso, o excesso de preocupação com o risco cria um ambiente moralista, propício a atitudes extremas. “Por exemplo, as pessoas têm que compulsivamente controlar seu peso. Já constatamos que a obesidade é uma doença, mas em vez de ter medidas de caráter coletivo, em geral elas são de culpabilização do indivíduo, ou seja, culpabilização da vítima”, explica Castiel.
Os meios de comunicação, na visão do pesquisador, também contribuem para incentivar a cultura do risco. “Há canais de TV que são especialistas na sustentação desse discurso do risco. A mídia acompanha o discurso da ciência. Quase nunca se entra na discussão sobre as controvérsias”, diz.
Ele usa como exemplo um estudo desenvolvido em 2006, nos Estados Unidos, que mostrou que a diminuição em 10% da ingestão de gorduras não fazia diferença no caso de doenças relacionadas, como hiperlipidemia. “Imediatamente, vários órgãos de imprensa questionaram que isso não era possível, até porque era um discurso contrário ao conhecimento existente.”
Qual a medida?
Diante da inevitabilidade de se expor a riscos, como decidir sobre o que merece ou não nossa preocupação? Castiel reconhece que é muito difícil definir um limite, especialmente quando se acumulam possibilidades de riscos à saúde com outros riscos, como ambientais. Um exemplo é o terremoto que atingiu recentemente o Japão e que aliou o risco de desastres naturais com outros advindos da tecnologia (por conta dos possíveis vazamentos de resíduos tóxicos de usinas nucleares).
A medida, segundo ele, deve ser determinada individualmente. “Não existe uma receita. Trata-se de uma questão lamentavelmente solitária, em que cada um vai tentar buscar esse equilíbrio”, aponta.
Para evitar excessos, o pesquisador recomenda que, diante de uma afirmação de risco, o indivíduo pergunte a si mesmo “e daí?” e acione um “freio de emergência”. “O que predomina hoje é o exagero. E o que mais me surpreende é a ausência de dúvida diante de um ambiente que tem tantas implicações. Por isso precisamos estar sempre dispostos a parar e pensar.”
Daniela Oliveira
Especial para a CH On-line/ RJ