A música que veio do espaço 2

Você disse música intergaláctica? O cientista Donald Gurnett, da Universidade de Iowa (EUA), coleciona há mais de quarenta anos registros de ondas de plasma que percorrem o espaço, captadas por instrumentos de detecção instalados em sondas da agência espacial norte-americana (Nasa). Um aparelho de rádio ajusta as ondas para uma freqüência audível. A pedido da Nasa, um conjunto chamado Quarteto Kronos criou um concerto musical em dez movimentos inspirado nos sons gravados por Donald e batizado de Sun Rings (‘anéis do Sol’).

Espectrograma representa ondas captadas pela sonda Galileo.
O vermelho corresponde às ondas mais fortes e o azul às mais
fracas; a freqüência cresce verticalmente. (imagem: Nasa)

Ondas são vibrações ocorridas em um meio material. As ondas interplanetárias captadas foram provocadas pela ação do vento solar na superfície externa do Sol: o plasma. O vento solar é um fluxo de partículas eletricamente carregadas, constituídas de prótons e elétrons, que são emitidas e produzidas na parte mais externa do Sol. Ao nível da órbita terrestre, a sua velocidade é de cerca de 400 km/s. O Sol perde anualmente cerca de 10 -14 de sua massa na forma de vento solar.

O ‘som’ que veio do espaço foi detectado por aparelhos instalados em sondas como Galileo, Cassini e Voyager. As ondas captadas pela Cassini, por exemplo, foram registradas em 8 de dezembro de 2000 a uma distância de 23 milhões de quilômetros de Júpiter. As oscilações escutadas na gravação e registradas no gráfico representam a interação entre o vento solar e a magnetosfera de Júpiter — zona altamente ionizada ao redor do planeta que se estende por milhares de quilômetros. O vento solar, ao se encontrar com essa camada, produz o que conhecemos como onda de choque magnetosférica. O campo magnético que envolve Júpiter funciona como um obstáculo às partículas do vento solar, que golpeiam a magnetosfera e produzem um choque semelhante ao de um caça ao atingir a velocidade do som na atmosfera terrestre.

A sonda Galileo registrou o mesmo momento ao fazer observações de Ganimede, principal lua de Júpiter. Foi a primeira vez que se comprovou a existência de uma magnetosfera em uma lua. Conforme a Galileo se aproxima do astro é possível escutar um ruído cada vez mais intenso e que aos poucos vai aumentando sua freqüência, até atingir um pico e diminuir. Esse crescimento de freqüência é uma prova de que existe um forte campo magnético em volta da principal lua de Júpiter.

 

O Quarteto Kronos é um grupo especializado em música contemporânea e experimental (imagem: reprodução )

Para criar o concerto inspirado na sinfonia interplanetária o Quarteto Kronos contratou o compositor Terry Riley. Após escutar diversas vezes as crepitações das ondas de plasma, pareceu a Riley que elas lhe diziam: “beebopterismo” . Esse é o nome de um dos dez movimentos que compõem a peça musical. O compositor também incorporou a alguns trechos da apresentação as próprias gravações das ondas de plasma, acompanhadas de instrumentos de corda que tentam simular os guinchos oriundos do espaço sideral.

 

O [1] Quarteto Kronos já se apresentou no final de outubro em um auditório da Universidade de Iowa. Para 2003, foram programadas apresentações em São Francisco (EUA) e Londres.

Ouça um trecho do registro das ondas de plasma captadas pela sonda Voyager e convertidas em uma freqüência audível pelo ouvido humano. Escolha o formato: arquivo .au (344 KB) ou arquivo .wav (1238 KB)

1] Formado em 1973, oQuarteto Kronos é um grupo de São Francisco especializado em músicacontemporânea e experimental. Sua formação é: David Harrington(violino), John Sherba (violino), Hank Dutt (viola) e Jennifer Culp(violoncelo). O quarteto, com auxílio de outros profissionais, tambématua como uma associação que realiza atividades educacionais ebeneficentes. O grupo realiza cerca de 100 concertos por ano, emfestivais de jazz de todo o mundo. Seu extenso repertório vai de IgorStravinsky a Thelonious Monk, passando por James Brown, Villa-Lobos,Hermeto Pascoal e até John Lennon. O conjunto já recebeu inúmerosprêmios internacionais — incluindo seis Grammys nas categorias MelhorÁlbum Clássico, Melhor Performance de Música de Câmara e MelhorComposição Contemporânea Clássica. 

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje on-line
29/11/02