A peça que faltava

 


Lagos de gelo derretido no mar gelado ao redor da ilha de Coburg, em Nunavut, Canadá. Uma relação clara entre a ação humana e o aquecimento global já havia sido apontada na região do Ártico, retratada acima, mas nunca no caso da Antártica (foto: Sandy Briggs).

Nos últimos anos, estudos haviam permitido atribuir à ação do homem o aumento da temperatura verificado em várias regiões do planeta. Mas faltava ainda demonstrar isso para um último continente: a Antártica. Isso acaba de ser feito por uma equipe internacional de cientistas, que mostrou que o aumento de temperatura nos dois pólos do planeta é motivado por atividades humanas, como o lançamento na atmosfera de gases que promovem o efeito-estufa e outros poluentes.

Iceberg na ilha de Baffin em Nunavut, Canadá, com pequenos lagos de gelo derretido em primeiro plano. O aquecimento no Ártico foi associado a um rápido declínio da extensão do gelo do mar no verão (foto: Sandy Briggs).

A pesquisa afasta a hipótese levantada em estudos anteriores que atribuíam as mudanças na temperatura das regiões polares à variabilidade natural de seu clima. Os resultados, publicados hoje na internet pela revista Nature Geoscience, reforçam a importância da adoção de medidas para evitar e combater o aquecimento global.

Não era fácil atribuir à ação humana as mudanças climáticas verificadas na Antártica, seja devido à grande variabilidade do clima local, seja pela pouca qualidade dos dados colhidos ali por cientistas. Não por acaso, o próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas havia reconhecido que faltava comprovar a relação entre ação humana e aquecimento naquele continente.

Para resolver esse impasse, os pesquisadores observaram os padrões de aumento da temperatura em regiões do Ártico e da Antártica (nos pólos Norte e Sul, respectivamente) com a utilização de registros da temperatura do ar feitos desde 1900. Os padrões observados foram comparados com simulações computadorizadas que previam como seria a evolução dessas temperaturas em dois tipos de cenários – com e sem as emissões de gases do efeito-estufa e outros poluentes (como de dióxido de carbono e de clorofluorcarbonetos – CFCs) originadas por atividades humanas.

Os resultados não deixam margem a dúvidas. As únicas simulações da evolução do clima polar compatíveis com os registros de temperatura de fato observados são aquelas que levam em conta a interferência humana.

Culpa inequívoca

Iceberg no estreito das Geleiras, situado em Nunavut, Canadá (foto: Sandy Briggs).

“O estudo mostra que a atividade humana é culpada pela mudança climática em todos os continentes, mesmo nas áreas polares” resume à CH On-line um dos autores do artigo, o climatologista Peter Stott, da Universidade de Exeter (Inglaterra).

“Isso confirma que as ações do homem podem ter conseqüências profundas bem longe das regiões onde são feitas as atividades poluentes e podem inclusive chegar a um continente como a Antártica, no qual não há sequer uma população permanente”, completa Stott. Apenas cientistas e pessoal de apoio das bases polares residem na Antártica e a estadia é temporária.

Peter Stott lembra que o aquecimento das regiões polares pode trazer conseqüências sérias para todo o planeta. “Com a grande quantidade de gelo que existe nessas áreas, o derretimento elevará globalmente o nível do mar”, prevê. “Além disso, o aquecimento traz um provável declínio de espécies no Ártico como, por exemplo, os ursos polares.”

O meteorologista Alexey Karpechko da Universidade de East Anglia (Inglaterra), também autor da pesquisa, alerta para a gravidade do problema na Antártica. “Os padrões de aquecimento na Antártica são especialmente afetados pela destruição da camada de ozônio”, ressalta. “A menos que ela se recupere, o aquecimento na Antártica será amplificado nos próximos anos.”   

Tatiane Leal
Ciência Hoje On-line
30/10/2008