A primeira vez

Reconstrução artística do Materpiscis attenboroughi, o mais antigo vertebrado conhecido capaz de gerar filhotes dentro do corpo da mãe (crédito: Museu Victoria).

Fósseis de um peixe primitivo prestes a dar à luz, com cordão umbilical ligado a um embrião, são a evidência mais antiga de sexo entre vertebrados. Com cerca de 380 milhões de anos, o material antecipa em 200 milhões de anos os registros de fertilização interna e da capacidade de parir filhotes vivos gerados dentro do corpo da mãe. O peixe pertence a um novo gênero e foi encontrado em um sítio no oeste da Austrália.

A nova espécie ganhou o nome de Materpiscis attenboroughi e integra um grupo grande e diverso de peixes extintos denominados placodermos, considerados os primeiros vertebrados dotados de mandíbula. Também chamados de “dinossauros dos oceanos”, eles viveram no Paleozóico Médio (de 420 a 350 milhões de anos atrás) e foram soberanos nos lagos e oceanos do mundo por quase 70 milhões de anos.

Descrita na Nature desta semana, a nova espécie se diferencia das demais de seu grupo pela falta de carapaça na espinha e pela presença de uma placa pontiaguda na nuca, entre outras características. O topo de seu crânio tem cristas proeminentes para os principais canais sensoriais. A fêmea coletada tinha 25 cm de comprimento e o embrião encontrado dentro de seu corpo tinha cerca de 25% de seu tamanho.

Segundo os pesquisadores responsáveis pela descoberta, as características morfológicas do esqueleto do embrião e sua localização próxima à coluna vertebral do peixe adulto mostram claramente que eles pertencem à mesma espécie. “O pequeno indivíduo interno é um embrião, em vez de uma presa ingerida, porque os ossos delicados não exibem fratura ou esboço de ácidos estomacais e a dentição é de morfologia bruta similar à do adulto”, dizem os autores no artigo.

Conexão materna

Os fósseis do peixe com o embrião e o cordão umbilical bem preservados foram coletados na formação Gogo, no oeste da Austrália, e têm cerca de 380 milhões de anos (foto: Museu Victoria).

Além disso, trata-se do único fóssil já encontrado com cordão umbilical preservado. A equipe identificou um fino tubo de material branco mineralizado levemente torcido que conecta o embrião a uma região da cavidade superior do corpo da fêmea marcada por uma massa ovóide, que possivelmente representa o saco embrionário.

Após a descoberta do mais antigo embrião conhecido, os pesquisadores decidiram reexaminar fósseis de outro peixe, o Austroptyctodus gardineri, encontrado em 1986 no mesmo sítio na Austrália e datado da mesma época. A análise revelou três embriões em posição semelhante à do M. attenboroughi.

Segundo os cientistas, são extremamente raros registros fósseis de animais vivíparos (que dão à luz filhotes vivos gerados dentro do corpo materno). Os principais achados são do período Mesozóico (entre 251 milhões e 65 milhões de anos atrás). Supostos fetos de outro grupo de peixes datados da era Paleozóica já haviam sido encontrados, mas não estavam dentro ou próximo da cavidade do corpo da mãe.

Reprodução avançada

Clique na imagem para ver uma animação do Materpiscis attenboroughi em vida dando à luz um filhote (crédito: Museu Victoria).

A descoberta do fóssil com embrião e cordão umbilical confirma que alguns placodermos tinham uma biologia reprodutiva notavelmente avançada, comparável à de alguns tubarões e raias modernos. “A fertilização interna é um método avançado de produzir filhotes e não algo que esperávamos ocorrer em peixes muito primitivos como os placodermos”, diz à CH On-line o autor principal do artigo, John Long, do Museu Victoria, na Austrália.

Segundo Long, os achados revelam que a fertilização interna era mais difundida em vertebrados primitivos do que se acreditava anteriormente e que os placodermos tinham uma forma de viviparidade muito avançada chamada matrotopia, em que a mãe também contribui para a alimentação do embrião, assim como o saco embrionário. “A descoberta muda nosso entendimento sobre a evolução dos vertebrados”, dizem os autores no artigo.

Agora os pesquisadores examinam outros peixes primitivos em busca de mais embriões para verificar como eles se reproduziam e de que forma isso direciona o caminho evolutivo dos primeiros vertebrados. Uma nova expedição ao sítio está programada para meados de 2008.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
29/05/2008