A solução de um quebra-cabeça químico

“Vi num sonho uma tabela em que todos os elementos se encaixavam como requerido. Ao despertar, escrevi-a imediatamente numa folha de papel.” Assim o russo Dmitri Mendeleiev (1834-1907) relata como chegou à solução de um dos maiores quebra-cabeças da história da química — a identificação de um padrão cíclico que permitia classificar os 63 elementos então conhecidos em função de suas propriedades. Nascia ali, em 17 de fevereiro de 1869, a Tabela Periódica dos Elementos, que perdura até hoje com ligeiros ajustes.

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Dmitri Mendeleiev, em caricatura e fotografia em sua mesa de trabalho
(imagens: reprodução – O sonho de Mendeleiev )

Não se deve creditar ao acaso, porém, a descoberta de Mendeleiev: a história registra que, quando teve o sonho que lhe teria revelado a solução para o problema, o químico russo já trabalhava sobre a questão por exaustivos três dias. Isso é o que revela O sonho de Mendeleiev , recém-lançado no Brasil. Escrito por Paul Strathern, ex-professor de filosofia e matemática na Universidade de Kingston, o livro retraça uma aventura de 25 séculos de conhecimento que culmina com a descoberta do russo.

Mendeleiev certamente tinha consciência da importância do seu feito. Antes dele, vários cientistas haviam buscado sem sucesso um padrão que orientasse a distribuição dos elementos. O russo estava convicto também da exatidão de sua tabela. Ela continha lacunas que, previa ele, seriam preenchidas por elementos ainda não conhecidos naquela época. Da mesma forma, o modelo lhe permitiu identificar erros no cálculo do peso atômico de vários elementos já conhecidos.

O tempo acabaria por dar razão a Mendeleiev e demolir o ceticismo com que a tabela foi recebida. Os cientistas suspeitaram que as previsões do russo poderiam estar certas quando o gálio foi descoberto em 1875, com as mesmas propriedades químicas de boro, alumínio e urânio e peso atômico 69 — conforme apontara Mendeleiev. A confirmação definitiva viria cinco anos depois, com a identificação do germânio, com propriedades similares às do silício e estanho.

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Traçado original da tabela periódica publicada
por Mendeleiev em 1o de março de 1869 no artigo
histórico “Um sistema sugerido dos elementos”

Mendeleiev percebeu que, se os elementos fossem ordenados por ordem crescente de peso atômico, suas propriedades químicas se repetiriam em intervalos periódicos. Ele os dispôs então em colunas verticais, de forma que aqueles que se encontravam em uma mesma coluna apresentassem propriedades químicas semelhantes. A semelhança desse padrão com o das cartas dispostas em um jogo de paciência leva o autor de O sonho de Mendeleiev a sugerir que a paixão do russo pelas cartas teria inspirado sua descoberta.

O advento da tabela periódica — que, para Strathern, levou a química à maioridade — representa a coroação de uma série de descobertas que remontam à emergência do pensamento científico, na Grécia Antiga. Para contextualizar melhor o feito de Mendeleiev, o autor traça um panorama de toda a história da química até a descoberta da tabela periódica. A maior parte do livro é dedicada à trajetória de cientistas fundamentais para o estabelecimento dessa disciplina. Com linguagem fácil e envolvente, a obra deve agradar a todos aqueles que se interessam pela história da ciência.

 

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Paracelso, Boyle e Lavoisier – três personagens importantes para o
estabelecimento da química moderna biografados no livro

Em O sonho de Mendeleiev , o leitor é brindado com curtas biografias de diversos cientistas. Entre eles, estão Aristóteles (aproximadamente 384-322 a.C.), o filósofo grego que formulou a teoria dos quatro elementos (terra, fogo, água e ar), que demoraria mais de um milênio para ser desbancada; o suíço Paracelso (1493-1541), figura emblemática da antiga alquimia que em alguns aspectos de seus estudos assumiu a postura de um verdadeiro químico emergente; o inglês Robert Boyle (1627-1691), considerado por muitos o pai da química moderna, com o lançamento de O químico cético (1661), manual que rompia com as práticas alquímicas; o francês Antoine Lavoisier (1743-1793), que estabeleceu a química moderna e é tido como “o Newton da química”.

O sonho de Mendeleiev – a verdadeira história da química
Paul Strathern (trad.: Maria Luiza X. de A. Borges)
Rio de Janeiro, 2002, Jorge Zahar Editor
268 páginas; R$ 26

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
05/07/02