A Estação de Tratamento de Esgoto de Barueri (São Paulo) lança no rio Tietê efluentes com carga de fósforo equivalente a uma cidade de 1 milhão de habitantes. (Foto: Sabesp).
O esgoto no Brasil, mesmo quando passa pelas estações de tratamento de esgoto, retorna para os mananciais dos rios rico em fósforo, oriundo das fezes humanas, com alto poder de contaminação. Ao contrário dos países desenvolvidos, o Brasil realiza apenas as etapas primária e secundária de tratamento, que são, respectivamente, as de remoção das sujeiras sólidas grosseiras, como pedaços de madeira, papel e plástico, e das sólidas solúveis suspensas.
A etapa terciária do tratamento, responsável pela eliminação de nutrientes químicos como o fósforo, ainda não é comum no país. “O resultado é que apenas 40% do fósforo do esgoto são eliminados nas duas primeiras etapas. O resto fica no esgoto tratado”, explica a engenheira civil Iara Regina Soares Chao, responsável pela pesquisa.
Chao ressalta que a remoção de nutrientes durante o tratamento de esgotos é importante para proteger a qualidade das águas de rios e reservatórios. Segundo ela, o excesso de fósforo na água é uma das causas da eutrofização dos rios, fenômeno de crescimento excessivo de plantas aquáticas e organismos como as algas, que têm potencial para a liberação de grande quantidade de toxinas. “A pessoa que entra em contato com essa água corre risco de adoecer e até morrer, dependendo das concentrações ingeridas e de suas condições de saúde”, alerta.
A pesquisadora explica ainda que a eutrofização provoca a morte de peixes, afeta a biodiversidade, libera gases tóxicos que causam odores desagradáveis e diminui a transparência da água. “Além disso, provoca proliferação excessiva de macrófitas, que podem interferir até na produção de energia, se essas plantas aquáticas ficarem presas nas turbinas de hidrelétricas”, acrescenta.
Para evitar os riscos, as empresas de tratamento de água, responsáveis pela comercialização desse recurso, adicionam uma carga extra de produtos para tratar a água originária de rios contaminados, o que encarece a produção. “Esse problema ocorre porque não existe legislação no país que regule a carga de fósforo permitida para lançamento nos rios”, diz. E completa: “Seis bacias hidrográficas só no estado de São Paulo foram classificadas como eutrofizadas.”
O excesso de fósforo na água provoca a eutrofização dos rios, ou seja, o crescimento exagerado de plantas aquáticas e algas, que podem liberar grande quantidade de toxinas. (Foto: Claudenice M. Santos).
Da agricultura para o saneamento
A idéia de usar o lodo, conta Chao, surgiu da leitura de outro trabalho científico, do engenheiro agrônomo norte-americano especializado em solos Nicholas Basta, que sugeria a utilização desse material em regiões agrícolas como barreiras para evitar que o fósforo presente nos fertilizantes atingisse os rios. “Foi aí que minha orientadora, professora Dione Mari Morita, teve um estalo, e resolvemos investigar se o lodo seria capaz de retirar o fósforo da água”, lembra.
O lodo resulta da reação química entre a sujeira da água dos rios tratada nas estações e o sulfato de alumínio, usado para sua purificação. Hoje esse material não tem destino certo e, na maioria das vezes, acaba dentro dos rios novamente. Chao explica que o lodo apresenta carga elétrica positiva, enquanto o fósforo, negativa. Quando em contato com o esgoto, o lodo é capaz de atrair o fósforo e retirá-lo da água, em um processo chamado de adsorção.
“O material final, que é esse lodo rico em fósforo, pode ser usado como fertilizante na agricultura, por exemplo”, sugere Chao. A pesquisadora revela que essa utilidade viria em um momento certo, já que as previsões são de que as reservas naturais de fósforo usadas para esse fim se esgotem até 2035.
Para que o resultado do trabalho possa ser posto em prática, Chao sugere que a estação de tratamento de água, de onde se origina o lodo, seja próxima da estação de tratamento de esgoto, onde ele será aplicado. “As futuras estações devem ser projetadas de forma integrada, senão fica economicamente inviável”, diz.
A pesquisadora ressalta ainda que o uso do lodo vai tornar mais barato o processo de tratamento terciário do esgoto. “Em outros países, produtos químicos são adicionados em etapas subseqüentes àquelas que já possuímos em nossas estações de tratamento, em um processo mais caro que a nossa opção”, conta. Segundo a engenheira, já existem estações interessadas em implantar o novo sistema.
Juliana Tinoco
Ciência Hoje On-line
23/01/2007