A união faz a força

Um é pouco, dois é bom. A máxima foi levada ao pé da letra pelo engenheiro de aquicultura Frederico Santos da Costa depois que uma doença conhecida como síndrome da mancha-branca se alastrou como praga entre camarões no litoral de Santa Catarina em 2004.

Para evitar a repetição do problema, que acarretou prejuízos de cerca de R$ 6 milhões para produtores do crustáceo, Costa passou a testar um sistema de policultivo, inserindo tilápias (Oreochromis niloticus) no mesmo viveiro em que criava camarões (Litopenaeus vannamei).

“A convivência entre os animais criou um equilíbrio ecológico que impediu a morte de camarões com mancha-branca”

Os experimentos foram feitos em 2007 numa fazenda marinha que a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) mantém no município de Barra do Sul. A ideia central era incentivar o uso do método para que pequenos produtores tivessem a tilápia como alternativa de renda em caso de nova perda de produção de camarão.

Mas a solução se mostrou promissora principalmente por outro motivo. “A convivência entre os dois animais criou um equilíbrio ecológico que impediu o adoecimento e a morte de camarões com mancha-branca”, explica Costa, que publicou as conclusões da pesquisa em sua dissertação de mestrado, defendida na UFSC em 2008.

Tilápias
As tilápias, além de limpar o ambiente e prevenir a morte de camarões por adoecimento, rendem ganho extra para o pequeno produtor. (foto: Frederico Santos da Costa)

O vírus da síndrome da mancha-branca (WSSV, na sigla em inglês) não é prejudicial à saúde humana, mas a comercialização de camarões é prejudicada em caso de contaminação porque geralmente os animais portadores do vírus morrem antes do período de coleta. “Em dois dias o camarão já está em estado de decomposição, o que o torna inviável para consumo”, afirma o pesquisador.

Em Santa Catarina, o surto da mancha-branca que há alguns anos afetou populações de camarão foi tão grave que dezenas de pequenos produtores desistiram do negócio e passaram a usar as fazendas de cultivo para outras atividades, como criação de gado ou geração de energia a partir do vento. Das 110 fazendas de cultivo de camarão que funcionavam em 2004, menos de 20 permanecem em operação.

Trabalho em equipe

A síndrome da mancha-branca, que recebe esse nome por deixar a carapaça do camarão com nódoas de forma arredondada e esbranquiçada, tem como principal consequência a debilidade do sistema imunológico do animal.

“O WSSV está para o camarão como o HIV está para o ser humano”, compara Costa. Eliminar da água o excesso de agentes patológicos é, portanto, a melhor forma de evitar que os crustáceos contraiam outras doenças e morram. É aí que a tilápia entra na história.

Enquanto as populações de camarão se estabelecem no fundo do mar, a tilápia costuma nadar na superfície, onde se alimenta de diversos tipos de microrganismos nocivos ao camarão, como bactérias luminescentes.

O peixe atua como um desinfetante do ambiente e previne a infecção dos crustáceos

Como o trato intestinal da tilápia destrói esses microrganismos, o peixe, na prática, atua como um desinfetante do ambiente e previne a infecção dos crustáceos. O resultado é que a água fica menos turva e se mantém estável em termos de temperatura e quantidade de oxigênio, favorecendo o desenvolvimento saudável de ambas as espécies.

O camarão, por sua vez, sustenta-se à base de substâncias não consumidas pela tilápia, como algas mortas e até as fezes do peixe, o que para o produtor significa economia de custos com ração. Os crustáceos que porventura morrem são ingeridos pelos peixes, reduzindo ainda mais as chances de contaminação de outros camarões.

Do ponto de vista comercial, a criação simultânea de tilápia e camarão mostra-se mais econômica do que a manutenção de dois criadouros separados para cada espécie. O engenheiro responsável pela pesquisa ressalta que o fato de os ciclos de produção da tilápia e do camarão terem períodos de duração distintos não atrapalha a atividade.

Tradicionalmente o período de engorda do camarão é estipulado em 90 dias e o da tilápia, em 180. “Em vez de coletar camarões de 12 gramas a cada três meses, o produtor pode obter unidades de 25 gramas duas vezes por ano.”

Camarões
Camarões criados em sistema de policultivo. Como a produção é coletada no ciclo de safra da tilápia, que tem período de engorda maior, os crustáceos chegam a ter até o dobro do tamanho dos desenvolvidos em monocultura. (foto: Frederico Santos da Costa)

Há três anos, com o também engenheiro de aquicultura Bruno Scopel, Costa abriu uma empresa dedicada à produção comercial de tilápias e camarões. O negócio prosperou e comprovou a eficiência do sistema.

No momento, os dois trabalham em testes para inserir uma terceira espécie na mesma fazenda: a ostra nativa (Crassostrea brasiliana), molusco que desempenha o papel de filtrador no ecossistema marinho. Eles acreditam que o método deve contrariar o dito popular e mostrar que três não é demais.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR