A virose dos vírus

Nem mesmo os vírus estão livres de adoecer por virose. Um trabalho publicado na semana passada na revista Nature mostra que um vírus gigante conhecido desde 2004 pode contrair infecção causada por um vírus 15 vezes menor que ele. A criaturinha descoberta por cientistas franceses e norte-americanos em uma torre de refrigeração no Reino Unido recebeu o nome de Sputnik.

O vírus infectado pelo Sputnik pertence ao grupo dos mimivírus e tem 750 nanômetros de diâmetro (um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro). Ele geralmente infecta a ameba Acanthamoeba polyphaga, um protozoário facilmente encontrado no solo. Para que esse vírus seja infectado pelo Sputnik, é necessário que ambos estejam no interior da ameba, caracterizando um processo que os virologistas chamam de coinfecção.

Ao invadir a ameba, o vírus gigante subverte sua maquinaria de biossíntese (ribossomos e RNAs transportadores), normalmente usada para fazer proteínas do próprio protozoário, e constrói uma estrutura muito organizada, chamada pelos pesquisadores de “fábrica de vírus”, para produzir suas próprias proteínas e se replicar.

“O Sputnik infecta diretamente a fábrica de vírus, no citoplasma, onde está o genoma do mimivírus, e não o núcleo, em que está o genoma da ameba”, explica à CH On-line o virologista Didier Raoult, líder do grupo que realizou o estudo na Universidade do Mediterrâneo, em Marselha, na França. “Os sintomas da infecção são a diminuição no rendimento da replicação e defeitos na formação dos vírus gigantes.”

Proteínas desconhecidas
O Sputnik tem forma icosaédrica e apenas 50 nm de diâmetro. Uma análise proteômica mostrou que ele é capaz de sintetizar 21 proteínas. A seqüência de cada uma delas foi determinada pela técnica de espectrometria de massa e comparada com seqüências de proteínas conhecidas de outros vírus.

Das 21 proteínas identificadas, 13 são desconhecidas pela ciência, ou seja, não se parecem com nenhuma outra descrita até hoje. As oito restantes apresentam semelhanças com proteínas de vírus de grupos bem diferentes entre si, capazes de infectar organismos tão distintos quanto bactérias, eucariotos e archeas (organismos unicelulares sem núcleo com aparência muito similar às bactérias, mas com metabolismo e genoma diferentes).

“Essa mistura de genes de diversas origens que o Sputnik parece apresentar é muito excitante do ponto de vista científico”, avalia a virologista brasileira Maite Vaslin, professora do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para os autores, a diversidade do genoma do novo vírus dá pistas de sua história evolutiva. “Está claro que, durante sua evolução, o Sputnik já utilizou como hospedeiros diferentes vírus que infectam células dos três grandes domínios dos seres vivos, incorporando genes de cada um deles”, afirma Raoult.

Uma nova família?
O Sputnik apresenta uma série de analogias funcionais com os vírus bacteriófagos (“comedores de bactérias”), que infectam esse tipo de microrganismo. Por isso, os autores propuseram que o Sputnik é o primeiro exemplar conhecido de uma nova família de vírus – os virófagos.

Essa interpretação, no entanto, é contestada por Maite Vaslin, que enxerga no organismo recém-descoberto similaridades com os chamados vírus satélites, que só se reproduzem em um processo de coinfecção, no qual também diminuem o rendimento da replicação do vírus concorrente. “Não estou plenamente convencida de que o Sputnik de fato seja tão diferente dos vírus satélites a ponto de ganhar um nome diverso”, afirma a pesquisadora da UFRJ.

Confrontado a essa crítica, Raoult defende a posição de seu grupo. “Ao contrário do Sputnik, os vírus satélites geralmente não têm genes para formar seu capsídeo”, diz ele, referindo-se à camada protéica que envolve os vírus. “O novo vírus realmente se assemelha a um bacteriófago”, conclui o francês.

Vitor Lima
Especial para a CH On-line
12/08/2008