Abelhas sem ferrão podem proteger Mata Atlântica

 

       

Pequenas abelhas sem ferrão podem ter papel estratégico na reconstituição de florestas tropicais e preservação da natureza. É o que indica um estudo de Mauro Ramalho, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em trabalho de campo realizado em dois anos no Parque Estadual da Cantareira, em São Paulo, o pesquisador constatou a predominância desses insetos na copa das árvores mais altas e antigas da Mata Atlântica e seu papel fundamental para a auto-regeneração da floresta primária.

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As abelhas jataí ( Tetragonisca angustula ) são uma das espécies de meliponíneos avaliadas no estudo

Nativas das florestas tropicais úmidas e outros ambientes das Américas, as abelhas sociais sem ferrão do grupo dos meliponíneos já eram observadas e cultivadas pelos maias e por diversos povos indígenas por produzirem mel e outros produtos em grandes quantidades. Hoje, representam cerca de 70% das abelhas em atividade nas flores da Mata Atlântica e são o principal grupo polinizador das árvores do estrato superior da floresta.

O objetivo do estudo era entender a preferência dos meliponíneos pelas árvores mais altas e o efeito de sua concentração nessa área da floresta. Para isso, o pesquisador coletou espécimes em diferentes estratos e observou a concentração maciça de flores nas árvores.

As abelhas foram recolhidas durante o dia, em períodos que variavam entre 5 e 60 minutos, de acordo com a extensão da superfície em que as flores estavam distribuídas. Em superfícies floridas com menos de 2 m², por exemplo, a coleta durou cinco minutos; nas superiores a 9m², uma hora.

null Ramalho concluiu que a concentração de abelhas sem ferrão na copa das árvores mais altas e antigas está ligada à procura de pólen e néctar. Por viverem em colônias numerosas, essas abelhas precisam de muito alimento e coletam essas substâncias em grandes quantidades o ano inteiro. São por isso atraídas pela grande oferta de flores do estrato superior da floresta tropical.

No transporte diário de pólen, realizam um processo de fertilização cruzada, que resulta num maior número de sementes e em flores e frutos de melhor qualidade. Reforçam, assim, a reprodução das flores e contribuem para a auto-regeneração das florestas. “O que ocorre entre os meliponíneos e as árvores do dossel da Mata Atlântica é uma relação de mutualismo não simbiótica, em que ambas as espécies se beneficiam, embora possam viver de maneira independente”, explica o professor.

De um lado, as numerosas flores dessas árvores são para as abelhas uma rica fonte de matéria-prima para o mel e um grande estoque de alimento. Em troca, os insetos intensificam a polinização das flores e as multiplicam. Com isso, asseguram a perpetuação das árvores do estrato superior da floresta.

Ramalho conclui que, devido ao papel ecológico que desempenham, os meliponíneos podem ser úteis num projeto de preservação ambiental. “Parte significativa da Mata Atlântica já foi destruída para dar lugar a grandes centros urbanos”, afirma. “As abelhas polinizadoras poderiam ajudar no reflorestamento conectando os fragmentos remanescentes da floresta tropical.”

 

O estudo de Mauro Ramalho foi publicado este ano na revista
Acta Botanica Brasilica . Clique aqui para ler o artigo on-line.

Isabel Levy
Ciência Hoje On-line
09/09/04