Cada vez mais, a divulgação científica reforça sua importância na sociedade e amplia seu espaço nos meios de comunicação. No entanto, tão ou mais importante que veicular os fatos científicos é descrever como os cientistas chegam a eles.
Seguindo essa premissa, o neurocientista Roberto Lent produziu os textos que compõem a coletânea Sobre neurônios, cérebros e pessoas, recém-lançada pela Editora Atheneu. “Quando o tema é ciência, as perguntas e o modo como são respondidas tornam-se mais relevantes do que as respostas”, afirma, no texto introdutório, o atual diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O livro reúne parte do que Lent produziu para a coluna Bilhões de neurônios, da CH On-line, entre abril de 2006 e dezembro 2010. Em três grandes eixos explicitados no título da coletânea, o autor aborda diferentes aspectos da neurociência em linguagem dirigida a pessoas sem conhecimento especializado na área. Para isso, busca aguçar a curiosidade por meio de temas tão diversos quanto interessantes.
Por exemplo: na coletânea, o leitor descobre que estômago e intestino podem detectar sabores, assim como a língua; que fetos aprendem ainda na barriga da mãe a entonação de seu choro; e que o ambiente cultural influencia o funcionamento do cérebro.
O livro revela também o ‘segredo’ por trás da “misteriosa sensação que chamamos de coceira” e explica por que perdemos o controle quando estamos apaixonados. São assuntos que despertam o interesse principalmente por serem tão próximos ao nosso cotidiano – algo que, em princípio, a neurociência não parece ser.
Lent trata ainda de questões que preocupam a todos na contemporaneidade, como dependência química e doença de Alzheimer – principal causa de demência após os 65 anos e que atinge cerca de 15 milhões de pessoas em todo o mundo.
Veja vídeo em que Roberto Lent explica a entonação do choro do bebê
Aprender a aprender?
Com forte atuação em favor da popularização da ciência, Roberto Lent reserva alguns dos textos de Sobre neurônios, cérebros e pessoas para observar as relações entre neurociência e educação.
Ele comenta, por exemplo, um trabalho publicado em 2010 na revista Science, que mostrou que, em certo sentido, a alfabetização melhora o funcionamento do cérebro. O estudo contou com a participação de dois brasileiros, da Rede Sarah.
“O trabalho descrito é o maior exemplo do grande paradoxo brasileiro (…). Somos crescentemente competentes em várias áreas da ciência – é o que nos prova a excelência do trabalho dos pesquisadores da Rede Sarah. Mas somos ainda um desastre na educação do nosso povo”, alerta Lent.
O uso de video games para estimular a aprendizagem também é tema de reflexão. O neurocientista analisa um experimento realizado por psicólogos da Universidade de Rochester (EUA), que constatou que esse tipo de jogo treina habilidades cognitivas gerais. Para ele, o desafio é conceber tecnologias que imitem e ajudem o cérebro no processo de aprendizagem.
- Ao contrário do que se poderia supor, os ‘video games’ podem ser benéficos para as crianças e para os adultos. (foto: Sean Dreilinger/ CC BY-NC-SA 2.0)
“Se as novas tecnologias podem ter efeitos positivos, por que não usá-las nos processos formais e informais de educação?”, provoca o neurocientista, com uma questão que, nos tempos atuais, é também tão ou mais relevante que a resposta.
Daniela Oliveira
Especial para a CH On-line/ RJ