Um tema polêmico como o Código Florestal e dois especialistas de opiniões contrárias com tempo restrito para fala. Essa combinação explosiva é a base do ‘Ciência em ebulição’, atividade inaugurada no encontro da SBPC do ano passado e que nessa quinta-feira (14/7) juntou o engenheiro florestal Sebastião Valverde e o ecólogo Sergius Gandolfi.
Durante a discussão, ambos os pesquisadores deixaram claro que não concordam com a proposta do novo Código Florestal redigida pelo deputado Aldo Rebelo. Mas o motivo da discordância é diferente.
Enquanto Gandolfi acredita que o documento não deve ser aprovado por representar uma ameaça ao meio ambiente, Valverde defendeu que a lei é generalista e que impede a produção agropecuária dos pequenos proprietários de terra.
Segundo o ecólogo da USP, o novo código continua inaceitável mesmo depois das mudanças feitas no projeto por seu relator, como a manutenção de Áreas de Preservação Permanente (APP) com 30 metros de largura ao redor de rios com mais de 10 metros de largura.
Gandolfi apontou que as alterações, feitas por pressão da sociedade civil e da oposição ao governo, apenas disfarçam uma destruição deliberada das florestas. “O novo código florestal é uma pegadinha”, afirmou.
“Ele fala que vai manter os 30 metros de APP, por exemplo, mas, ao mesmo tempo, permite que o agricultor que já desmatou a mata ciliar só recomponha 15 m de vegetação; nada muda, fica 15m por 15m”, protestou.
O pesquisador ainda alertou para os impactos que a aprovação do código teria nos grandes centros urbanos. “Quem mora na cidade não tem muita ideia do que isso vai significar, mas podemos ter um apagão hídrico”, alertou.
Gandolfi explicou que a vegetação ao redor dos rios funciona como um filtro que impede que impurezas, como sedimentos de terra e até mesmo agrotóxicos, cheguem ao curso d’água. Quando essa proteção é removida, os rios podem ficar poluídos e assoreados, o que prejudica o fornecimento e torna mais caro o tratamento de água nas cidades.
“Para tratar um rio limpo são necessários cerca de R$ 2 por metro cúbico de água, já para um rio poluído e degradado pela erosão, pelo acúmulo de sedimentos e por agrotóxicos, o custo sobe para R$ 400”, calculou.
Uma só lei
Na contramão, Valverde argumentou que as APPS muitas vezes são as melhores zonas para o plantio e que a faixa fixa de 30 metros de proteção foi estabelecida sem critérios científicos e sem levar em consideração as diferenças entre os diversos biomas do país.
“Tanto o Código Florestal atual quanto o novo proposto são muito generalistas, eles querem uma única lei para todo o país, para a região do cerrado, da caatinga, dos pampas”, afirmou. “Não defendo o desmatamento, mas não podemos prejudicar a produção agropecuária desse modo. Se tem uma coisa que afeta a APP e os cursos d’água, é tudo menos a largura de rio.”
O engenheiro florestal disse que o Código Florestal atual e também o novo projeto conflitam com a Constituição do país, que dá autonomia legislativa aos estados e municípios para tratar do meio ambiente.
“Esse novo código melhora alguma coisa em relação ao atual, mas não resolve a questão essencial que é a discussão a nível regional”, disse. “Cada município e cada estado têm que legislar sobre suas áreas e decidir o tamanho que devem ter as áreas de preservação. Assim, quem legisla é a sociedade local e não quem está em Brasília”, disse Valverde.
Gandolfi não concordou com a ideia e afirmou que se o poder de decidir sobre o uso das florestas em propriedades rurais estivesse nas mãos de prefeitos e municípios seria um “caos”.
“As pressões políticas locais querem mais é liberar as áreas de seu interesse!”, protestou. “Além disso, o rio que passa em Minas passa em São Paulo, a poluição gerada por um estado vai parar no outro, onde vai contaminar do mesmo modo, assorear os rios, os portos e a represa de captação de energia.”
Como já era de se esperar, os dois não chegaram a um consenso.
Assista ao vídeo abaixo com alguns trechos do embate
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line
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