Combinação explosiva 2: a suposta causa

Como prometido, volto ao tema do efeito Lima-Vanzella, descrito por dois físicos brasileiros na Physical Review Letters e apresentado aqui no final de abril.

Quem leu a parte 1 deve estar se perguntando: “Não era Vanzella-Lima?” A inversão do nome com que ousadamente batizamos o novo fenômeno se deve a gesto generoso, de desprendimento, de Daniel Vanzella, orientador de doutorado de William Lima, ambos do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP).

Pergunta crucial que ficou para esta postagem: por que a gravidade causa o aumento exponencial na energia do vácuo?

A hipótese de Vanzella e Lima envolve uma ‘regra’ proposta na segunda metade da década de 1920 pelo jovem e brilhante físico teórico alemão Werner Heisenberg (1901-1976). Trata-se do princípio da incerteza (ou da indeterminação) de Heisenberg.

O efeito descrito por Vanzella e Lima está sujeito ao princípio da incerteza de Heisenberg

Esse princípio tem a ver com uma das muitas esquisitices das dimensões atômica e subatômica, ou seja, do mundo quântico. Vamos a uma analogia. Imagine um elétron como um carro viajando em volta de uma cidade (esta no papel do núcleo de um átomo).

O princípio da incerteza afirma que, se conseguíssemos determinar exatamente a posição do carro, notaríamos que o ponteiro de seu velocímetro ficaria ‘maluco’, girando, girando… sem parar.

Ou seja, não poderíamos estabelecer, com precisão, a velocidade de nosso carro. Caso ‘freássemos’ o ponteiro e determinássemos a velocidade, então notaríamos grande imprecisão na posição do carro, que se transformaria em uma ‘nuvem’, em uma massa espalhada pelo espaço, deixando de ser aquele objeto bem localizado.

Em resumo: não dá para determinar, com precisão e simultaneamente, a posição e a velocidade de nosso carro. E isso vale, segundo o princípio de Heisenberg, para todas as entidades quânticas, como átomos, elétrons, prótons, nêutrons, fótons (partículas de luz) etc. Como dito, essa é só uma das esquisitices do mundo quântico. E nem mesmo a mais estranha delas.

Os físicos dizem que posição e velocidade são grandezas conjugadas. Energia e tempo também são e, portanto, no universo quântico, não podem ser determinados simultaneamente com precisão.

Mas como esse princípio pode explicar o crescimento estonteante da energia do vácuo no efeito Lima-Vanzella?

Pedrinhas no lago

Nesse efeito, vale lembrar, os dois principais atores são a gravidade e a energia do vácuo, formando um tipo de dupla à la Dom Quixote e Sancho Pança: sozinhos, fracos; juntos, imbatíveis. Daí, a combinação explosiva.

Fica mais fácil entender a relação entre o princípio e o efeito se imaginarmos o vácuo quântico como um lago no qual a todo instante são atiradas pedrinhas. A energia do vácuo seria, então, a energia acumulada nas diminutas ondas (flutuações) que se formam.

Para facilitar as coisas, vamos imaginar que todas essas ondas oscilam com o mesmo número de vibrações por segundo, ou seja, têm a mesma frequência. Porém, a fase dessas ondas varia com o tempo. Em termos práticos, isso quer dizer que duas ondas em que os ‘picos’ e ‘vales’ estão em coincidência em certo momento podem, com o tempo, ficar defasadas: enquanto uma sobe a outra desce. Essa é a chamada variação de fase.

Fase e amplitude do campo gerado pelo vácuo quântico não podem ser determinadas simultaneamente com precisão

Outro conceito importante para nossa analogia: quanto mais alto o ‘pico’ de uma onda, maior é a energia que ela carrega – na prática, é fácil perceber que uma onda de cinco metros de altura que chega à praia carrega mais energia que uma marolinha. Essa ‘altura’ do pico é chamada tecnicamente amplitude.

Pois bem: quando aplicamos o princípio da indeterminação ao nosso lago (ou seja, ao campo gerado pelo vácuo quântico), fase e amplitude são grandezas conjugadas. Portanto, não podem ser determinadas, simultaneamente, com precisão. É como se a amplitude fosse a posição de nosso carro; e a fase, sua velocidade.

A gravidade entra em cena. No efeito Lima-Vanzella (ELV), ela tenta ‘congelar’ a variação de fase das ondas no lago; tenta fazer com que essa variação vá diminuindo, diminuindo, forçando-a a ser nula. Mas aí a amplitude, como boa grandeza conjugada, dá sua resposta. Ela explode. E, consequentemente, a energia cresce assustadoramente. E muito rapidamente – vimos na parte 1 que a energia do vácuo supera, em milissegundos, a energia gravitacional da estrela de nêutrons.

Guardadas as limitações de nossa analogia, essa é a hipótese que relaciona o princípio de indeterminação de Heisenberg e o efeito Lima-Vanzella.

As consequências desse efeito parecem estabelecer um tipo de política de inclusão social cósmica

Questão interessante: em nossa analogia, a energia do vácuo parece ser totalmente passiva à ação da gravidade. Ela reagiria? – afinal, energia (no caso, a do vácuo) é também matéria (E = mc2, lembra-se?). E matéria gera gravidade… Vanzella me diz que esse é o tema agora estudado por físicos brasileiros (ele e Lima inclusos) e canadenses. E promete manter este jornalista atualizado.

Vimos até aqui a descoberta do efeito e a hipótese para sua causa. Na próxima postagem, discutiremos as possíveis consequências do ELV. Adianto que elas, para mim, parecem estabelecer um tipo de política de inclusão social cósmica – mas com resultados que podem ser desastrosos para as estrelas candidatas ao cargo de buracos negros.

Curioso? Acompanhe aqui no Bússola.

Até lá.

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje / RJ