“Derrota”, “fracasso”, “fiasco”, ecoava a grande imprensa sobre a Conferência do Clima da ONU, que terminou na madrugada de sábado (11), em Cancún, no México.
Até o início da sexta-feira (10), data oficial de encerramento da COP-16, havia muitos impasses e pouca esperança de que algum acordo decente fosse vislumbrado no encontro. Tudo indicava que Cancún iria repetir o fracasso de Copenhague.
No entanto, para surpresa geral, a conferência terminou em clima de otimismo, com decisões importantes reunidas no Acordo de Cancún, acatado pela grande maioria dos participantes.
Dos 194 países representados, apenas a Bolívia não aceitou o tratado, alegando que as medidas eram tímidas e pouco exigentes com os países desenvolvidos. O embaixador boliviano Pablo Sólon, inclusive, disse que vai recorrer ao Tribunal Internacional de Justiça.
Apesar de os avanços terem sido de fato tímidos em relação às metas de redução das emissões e de se ter postergado mais uma vez as decisões sobre o futuro do Protocolo de Quioto, a avaliação geral é de que a COP-16 teve o mérito de restabelecer a confiança em uma negociação internacional para conter o aquecimento global.
Essa visão foi compartilhada por jornalistas e especialistas em diversos veículos de imprensa, mesmo naqueles em que havia se alardeado precocemente o fracasso em Cancún.
Acordo cria fundo bilionário
Mesmo não resolvendo nem de longe o problema do clima, o texto final da COP-16 tem pontos relevantes a serem ressaltados. Além de reforçar os compromissos de redução das emissões dos países desenvolvidos e em desenvolvimento acertados em Copenhagen, o Acordo de Cancún cria um fundo bilionário para ajudar os países pobres a lidarem com as mudanças climáticas e estabelece as bases do mecanismo de recompensa à proteção das florestas.
De acordo com o documento, os países desenvolvidos irão injetar, até 2012, 30 bilhões de dólares no Fundo Verde do Clima. A partir de então, o montante aumenta para 100 bilhões de dólares por ano, até 2020.
Essa é, sem dúvida, uma boa notícia para o Brasil. O documento só não especifica de onde exatamente vêm os recursos, como bem observou o jornalista John M. Broder em texto publicado no New York Times.
Outro avanço importante nas negociações que pode ser especialmente benéfico ao Brasil foi a aprovação do mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). (Leia notícia da CH On-line sobre rede social para debater o sistema de REDD)
Visto que já possui uma estratégia nacional aprovada de proteção das florestas, o país pode largar na frente no acesso a verbas, como destaca texto publicado em O Estado de São Paulo.
Mas, para o mecanismo entrar em vigor, é preciso ainda definir de onde virão os recursos, outra questão que o Acordo de Cancún deixa em aberto.
Participação brasileira
O Brasil, mais uma vez, se destacou nas negociações sobre o clima. Em entrevista concedida à rádio CBN com o cientista político Sérgio Abranches, a presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudança Climática (PBMC), Suzana Kahn, ressaltou a importância de o país ter quantificado suas metas.
Suzana lembra que o Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a se comprometer com metas de redução de emissões. O país terá que se segurar para não ultrapassar, até 2020, o limite de emissões, estipulado por lei, de 2 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa.
Se nada fosse feito, a um crescimento da economia estimado de 5% ao ano, esse número chegaria a 3,2 bilhões.
O Brasil chamou atenção não apenas pelas metas apresentadas, mas também por sua habilidade diplomática. O país teve participação importante na resolução de um dos grandes impasses em Cancún – a recusa do Japão a se comprometer com um segundo período do Protocolo de Quioto, a partir de 2012.
“O Brasil circula bem entre os grupos de países desenvolvidos e [entre os grupos de países] em desenvolvimento; tem boas relações com o Japão. Por isso pode fazer a ponte, ir costurando uma solução”, analisa Sérgio Abranches na entrevista à CBN.
Apesar do clima de otimismo, muitas questões importantes ainda precisam ser resolvidas. Segundo avaliação de Suzana Kahn, dificilmente se chegará a um acordo vinculante para substituir o Protocolo de Quioto no ano que vem, em Durban, na África do Sul, onde será realizada a COP-17.
Para Suzana, um ano é muito pouco. Mas e para o clima?
Carla Almeida
Ciência Hoje On-line