A pergunta “É possível divulgar ciência?” pode parecer estranha em uma publicação dedicada a essa missão. No entanto, esse questionamento existe até por parte de cientistas influentes, para os quais a divulgação da ciência, por adotar uma forma imperfeita ou incompleta, transmite apenas uma imagem aproximada ou mesmo corrompida do que pretende divulgar. E, como tal, não divulgaria nada.
É o caso de Ilya Prigogine (1917-2003), químico teórico russo-belga, para quem seria impossível, por exemplo, explicar a teoria da relatividade a um público leigo. Segundo Prigogine, a relatividade não poderia ser entendida pela metade, ou com menos de 100% de seu conteúdo.
Para que essa teoria fosse devidamente apreciada, o público-alvo teria que conhecer os fundamentos da física, o que constituiria uma situação equivalente a ensinar aos já iniciados. De acordo com essa visão, um bom livro sobre a teoria da relatividade necessariamente abrigaria todos os conceitos relevantes e por isso não seria, em essência, um livro de divulgação, e sim um livro de física. Reservado somente aos ‘eruditos’.
A restrição de Prigogine e de outros puristas se aplicaria a qualquer área da ciência. Essa, porém, é uma noção razoável? Provavelmente, não. Tal percepção trai uma grande dose de fundamentalismo que confunde a tradução ao pé da letra da realidade científica, incluindo sua dialética, com a interpretação da essência da pergunta formulada pelos cientistas e a explicação da estratégia metodológica usada por eles na busca da resposta.
Felizmente, nem todos concordam com Prigogine e seus seguidores. Como antídoto para essa atitude excludente, podemos citar o físico Albert Einstein (1879-1955), justamente o autor da teoria da relatividade, que dizia: “Se você não consegue explicar algo de modo simples é porque você não entendeu bem a coisa.”
Por que divulgar ciência?
Se estivermos convencidos de que é possível divulgar ciência, a pergunta seguinte é: por que divulgá-la? Aí cabem muitas respostas, mas algumas podem ser destacadas. Primeiro, a sociedade sabidamente demonstra grande interesse pelo assunto, em especial por temas médicos. Há, então, uma plateia cativa.
Em segundo lugar, os cientistas, sobretudo aqueles baseados em instituições públicas, deveriam se sentir compelidos a explicar como o dinheiro do contribuinte é aplicado. Além disso, a sociedade mostra o desejo claro de participar da discussão geral, principalmente de assuntos polêmicos que afetarão os cidadãos de maneira direta, como células-tronco, genoma humano, clonagem, evolução etc.
Entretanto, para que esse debate exista, as pessoas devem estar devidamente informadas. Com a vantagem de que pessoas bem informadas podem se precaver da pseudociência e separar as crenças folclóricas, mezinhas variadas e promessas de juventude eterna do fato comprovado experimentalmente. Há muitos outros aspectos ligados à divulgação científica, embora a maioria seja de difícil mensuração.
Seria interessante e relevante realizar um levantamento para avaliar até que ponto a exposição à divulgação científica ajudou a atrair jovens curiosos e talentosos para carreiras em ciência. Uma e outra biografia de celebridades científicas apontam o livro Os caçadores de micróbios, do microbiólogo Paul de Kruif (1890-1971), como a inspiração definitiva para a escolha da carreira, mas de modo geral não conhecemos bem o papel motivador da divulgação científica como forjadora de cientistas.
Por outro lado, a divulgação da ciência é certamente o nutriente vital da ficção científica. Quantos livros e filmes de ficção científica transitam entre a realidade e a imaginação de seus autores? Filmes que ativaram o interesse da sociedade, como O caçador de androides, Contato, Parque Jurássico, Gattaca e tantos outros, seguramente dependeram da leitura atenta de textos que transformaram a informação dura em algo palatável e excitante.
Nesse ponto, são inevitáveis as interconexões. Será que a escassez de ficção científica brasileira, contraposta à plenitude do cenário místico, deve-se a um ambiente de ciência tímido, acompanhado por uma divulgação científica apenas incipiente?
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 274 (setembro/2010).