O filme Contágio, do diretor Steven Soderbergh, estreou ontem nos cinemas brasileiros. O longa-metragem conta a história da rápida propagação mundial de um novo vírus transmissível pelo ar e que mata em poucas horas e dos esforços das autoridades de saúde e dos cientistas para identificar as causas e conter a pandemia. Em meio a fatos e boatos sobre a gravidade da situação, o pânico acaba se espalhando na sociedade mais rapidamente que o próprio vírus.
Diante da sinopse, impossível não lembrar da recente pandemia de gripe A provocada pelo vírus H1N1, que causou a morte de cerca de 18 mil pessoas, segundo estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS). A vacina para a doença foi aprovada em setembro de 2009 (cinco meses após o surgimento do vírus) e gerou polêmica a respeito de sua segurança e de seus possíveis efeitos colaterais.
Apesar dos boatos, as autoridades de saúde do Brasil consideram que houve uma boa taxa de vacinação da população brasileira. Em agosto de 2010, a OMS anunciou o fim da pandemia do H1N1.
De volta à ficção, Contágio tem elementos que permitem ao espectador entender alguns dos processos envolvidos na investigação de uma epidemia e na corrida em busca da cura ou da prevenção de uma doença.
Segundo especialistas da área de saúde, presentes em uma sessão especial de lançamento do filme realizada ontem (28/10), muito do que é apresentado em Contágio guarda relação com a realidade, como o pânico instaurado na população. “Vivenciamos isso na pandemia da gripe H1N1”, disse Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O infectologista Mauro Schechter, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos fundadores da Fundação para Pesquisa de Vacina, explicou que o patógeno do filme é inspirado em um vírus real presente em morcegos e inofensivo a esses animais, mas capaz de infectar porcos. No entanto, sua taxa de transmissão é muito maior que a do vírus real. “Além disso, o prazo [de dias] em que ocorre o desenvolvimento científico e a produção e aplicação da vacina no filme é irreal”, destacou.
Pesadelos da saúde pública
Durante o debate, uma das inquietações da plateia – que talvez também seja a de outros espectadores do filme – foi saber a real capacidade e agilidade brasileira para responder a uma eventual pandemia de mesma proporção da apresentada na ficção.
Para além dessa preocupação, a infectologista Patrícia Brasil, chefe do ambulatório de doenças febris agudas do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/ Fiocruz), enfatizou a importância de darmos atenção a um perigo muito mais próximo e factível: a tuberculose.
Embora suas causas, sua forma de contágio e prevenção e seu tratamento sejam bem conhecidos, a doença ainda apresenta números alarmantes. Segundo dados da OMS, há 116 mil casos de tuberculose por ano no Brasil e 8,7 milhões no mundo. Sem um esforço coordenado de controle, até 2020 deverá haver mais 1 bilhão de infectados e 200 milhões de doentes, com 35 milhões de mortes. O Rio de Janeiro é o estado brasileiro com o maior número de casos.
Patrícia Brasil lembrou que ainda há muitos desafios para a saúde pública no país, como a dengue, que atinge mais de 300 mil pessoas por ano; o risco de reintrodução da malária; a falta de vagas em unidades de terapia intensiva, tanto na rede pública quanto na particular. “Primeiro temos que encarar nossos próprios pesadelos, para depois pensarmos na entrada de um vírus novo.”
Apesar das ressalvas – admissíveis por se tratar de uma obra de ficção –, Contágio pode ser uma boa forma de levar ao público informações relevantes sobre prevenção e transmissão e levantar outras questões envolvidas em uma situação de pandemia.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line