Libelo contra o racismo

O geneticista Sergio Pena, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é uma referência nacional na discussão da questão racial. Ele tem vindo a público com freqüência para mostrar como a visão da humanidade dividida em raças, cristalizada em parte da sociedade, é totalmente incompatível com as descobertas recentes da genética. Pena acaba de voltar a esse debate com o lançamento do livro Humanidade sem raças?

A obra, um verdadeiro manifesto contra o racismo, reúne os veementes argumentos do geneticista para combater a racialização da humanidade. Essa discussão não é novidade para os leitores de “Deriva Genética”, a coluna que o autor publica na segunda sexta-feira do mês na CH On-line – a denúncia da inexistência das raças do ponto de vista biológico é um tema recorrente em seus textos.

A novidade de Humanidade sem raças? é reunir os argumentos de Pena e sistematizá-los em um discurso coeso, além de trazer novas considerações e discussões detalhadas de vários exemplos históricos. O livro consolida o pensamento sobre a questão racial que o geneticista vem amadurecendo ao longo de anos, em suas colunas, artigos na imprensa e palestras pelo país afora.

Genealogia do racismo
Para levar a cabo seu raciocínio, Pena propõe retraçar uma genealogia do racismo – conceito que, assim como a própria noção de “raça” é uma construção humana relativamente recente. A divisão da humanidade em raças, explica ele, remonta ao início do século 18 – o naturalista sueco Carl Linnaeus I(1707-1778) foi o primeiro a propor tal classificação formal. Essa visão deu origem ao racismo científico no século 19, em que alguns cientistas condenaram a mistura das raças, o que culminou com a nefasta experiência da eugenia nazista no século 20.

Ao final da Segunda Guerra, continua o autor, surgiu um novo modelo, que propunha dividir a humanidade em populações. Embora partisse de premissas menos condenáveis, ele acabou perpetuando a ideologia do racismo ao se converter em um modelo “populacional de raças”. O problema persistia.

Pena propõe uma mudança de paradigma que permita superar essa visão, socialmente perniciosa e biologicamente equivocada. O autor é muito feliz ao mostrar como a única divisão da humanidade que a genética permite embasar é em seis bilhões de indivíduos. Ou “cada homem é uma raça”, como bem resumiu o escritor moçambicano Mia Couto, que Pena gosta de citar.

Sociedade desracializada
Lembrando a seu leitor que não há “natureza humana” fixa e preestabelecida, o geneticista convida-o a juntar-se a ele na luta pelo fim do racismo. “Devemos fazer todo esforço possível para construir uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada e na qual exista a liberdade de assumir, por escolha individual, uma pluralidade de identidades”, conclama.

Humanidade sem raças? é um livro breve, com 63 páginas de texto, que pode ser lido de uma só sentada. É uma leitura contundente, que assume ares de dever cívico nas circunstâncias atuais. Num momento em que a discussão sobre as cotas raciais para universidades volta à esfera pública, os argumentos de Sergio Pena são essenciais para alimentar o debate sobre a questão racial no Brasil.

Humanidade sem raças?
Sergio D. J. Pena
São Paulo, 2008, Publifolha
Tel.: (11) 3224-2201 
72 páginas – R$ 12,90

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line 
25/11/2008