O sistema de ciência e tecnologia brasileiro deu, nos últimos anos, um salto significativo em termos de investimento e desenvolvimento de políticas e programas estratégicos. Os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), onde se concentra o grosso das verbas desse setor, cresceram substancialmente e as ações em ciência, tecnologia e inovação tornaram-se foco de uma política de Estado.
A pós-graduação forma cerca de 50 mil mestres e doutores por ano e o país chegou ao 13º lugar no ranking da produção científica internacional. Há ainda muito a fazer – em especial no que se refere à desconcentração regional da C&T, ao impulso à inovação e à efetiva aplicação do conhecimento para a melhoria da vida da sociedade –, mas é preciso reconhecer os avanços.
Um dos personagens principais da construção desse novo ambiente, Sergio Machado Rezende esteve à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) entre julho de 2005 e dezembro de 2010.
Antes de assumir a pasta, o físico e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) já atuava como gestor de ciência. Na década de 1970, foi assessor do então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e coordenou a implantação dos primeiros grupos de pesquisa e cursos de pós-graduação do Departamento de Física da UFPE, o qual também chefiou.
Fora da academia, foi assessor na área de C&T e secretário de Meio Ambiente no governo Miguel Arraes. Foi o primeiro diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa de Pernambuco, secretário de Patrimônio, Ciência e Cultura de Olinda e, entre 2003 e 2005, presidiu a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Essa trajetória credenciou Rezende a contar um pouco da história da C&T brasileira no livro Momentos da Ciência e Tecnologia no Brasil: Uma caminhada de 40 anos pela C&T, lançado em dezembro do ano passado pela Editora Vieira & Lent. A obra reúne textos escritos pelo ex-ministro ao longo de quatro décadas de atuação.
A leitura proporciona uma visão privilegiada do que tem acontecido na ciência, tecnologia e inovação no país desde os anos 1970. Rezende relata momentos ligados à criação de instituições de apoio à ciência, revive episódios marcantes da política científica e apresenta personagens que contribuíram para os avanços (e também retrocessos) do setor.
Preocupações iniciais e tempos de crise
A coletânea mostra que nos anos 1970, com o sistema de C&T ainda em formação, as reflexões giravam muito em torno da necessidade de fortalecimento e melhoria da pós-graduação no país.
“É muito difícil perseguir a boa qualidade no ensino de graduação, pois a pressão para a formação em massa é bastante grande. Mas não é admissível que não tenha sido possível manter uma qualidade mínima na pós-graduação criada tão recentemente, após nossa longa experiência com o ensino apenas na graduação”, observou Rezende em artigo de 1979.
Os tempos de crise na C&T, mais precisamente o final dos anos 1980 e a primeira metade dos anos 1990, mereceram análise atenta do ex-ministro. Rumores sobre a extinção do MCT, criado em 1985, preocupavam a comunidade científica no início de 1989, ainda na gestão de José Sarney.
“Por que o governo ameaça um ministério criado por ele próprio, que tem orçamento pequeno comparado a outros e é relativamente eficiente? Por que esta regressão em C&T no momento em que o país mais precisa dela? Só pode ser miopia ou má fé”, questionou o físico.
A apreensão mostrou ter fundamento com a criação do Ministério do Desenvolvimento Industrial, Ciência e Tecnologia em substituição à pasta anterior. A iniciativa durou poucos meses, e o MCT foi recriado em novembro de 1989.
No entanto, novo golpe atingiu a comunidade científica em abril do ano seguinte, já no governo Collor, com a extinção do ministério e a criação da Secretaria da Ciência e Tecnologia, vinculada à Presidência da República. Somente em 1992, no governo Itamar Franco, a pasta voltou a existir.
C&T na era FHC
Os recuos e avanços dos governos de Fernando Henrique Cardoso também ocupam boa parte do livro. Rezende avalia a criação do Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência (Pronex), em 1996, critica a queda no número de bolsas concedidas pelo CNPq e defende a adoção de “políticas que conciliem a oferta com a demanda de C&T”. Sobre a criação dos fundos setoriais, uma sentença: “Parece bom demais para ser verdade.”
Em setembro de 1999, o físico cobrou o cumprimento de promessas de campanha, como a meta de alcançar 1,5% do PIB em investimentos no setor. Em carta enviada ao ministro Ronaldo Sardenberg, no início de 2000, sugeriu a elaboração de um plano de C&T que englobasse setores julgados estratégicos para a economia do país.
Ao final do documento, disparou: “Esta carta é motivada principalmente pela minha angústia em saber do papel estratégico do setor de C&T para o nosso desenvolvimento e ver o Brasil perdendo oportunidades importantes, enquanto continua sendo injusto internamente e joguete de interesses econômicos no cenário internacional”.
Apesar das críticas, Rezende reconheceu como positivo o legado do ministro de FHC. “Antes pouco conhecido da comunidade científica, o embaixador Sardenberg termina sua gestão sendo respeitado e admirado pela comunidade científica do país”, avaliou.
Do outro lado
Já os textos mais recentes (escritos por Rezende presidente da Finep e posteriormente ministro) têm um tom mais oficial e menos crítico, mas nem por isso deixam de ser um bom registro do que se passou ao longo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
É possível notar a recorrência do tema da inovação e o destaque para áreas consideradas estratégicas, como biotecnologia e biossegurança, produção de fármacos e medicamentos, TV digital e os programas nuclear e espacial.
Na última parte da coletânea, Rezende trata do plano de ação em CT&I 2007-2010 e propõe metas até 2022. O ex-ministro ressalta a importância da cooperação internacional e da pesquisa com células-tronco e biocombustíveis, e alerta sobre gargalos permanentes – como a inclusão digital e a geração de energia. Um dos “xodós” do ex-presidente Lula, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas também merece destaque.
Como ressalta no prefácio o físico e pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas Alberto Passos Guimarães, estão representados no livro de Sergio Rezende “40 anos de debates e lutas, que tratam de questões que vão desde as cassações de cientistas nos anos de chumbo da ditadura até a nova pauta da criação de uma cultura de inovação entre os nossos empresários”.
Um passeio pela história da ciência e tecnologia do país.
Daniela Oliveira
Especial para a CH On-line