Na coluna de maio, tratei da superfetação, um evento reprodutivo raríssimo, cuja ocorrência é bastante questionada. A superfetação, que ocorre quando há uma nova concepção em uma mulher já grávida, não deve ser confundida com outro fenômeno também muito incomum, conhecido como superfecundação.
A superfecundação depende da ocorrência simultânea de vários eventos pouco prováveis: a liberação de dois gametas femininos em um mesmo ciclo menstrual em uma mulher que tenha tido, durante seu período fértil, relações sexuais com parceiros diferentes. Além disso, é necessário que esses parceiros tenham sucesso em suas fertilizações e que os embriões se desenvolvam adequadamente.
A superfecundação, por sua vez, não deve ser confundida com a formação de gêmeos fraternos ou dizigóticos. A mulher que produz mais de um gameta em um mesmo ciclo reprodutivo pode originar esse tipo de gêmeos, que são próximos geneticamente, pois têm os mesmos pais. Já gêmeos formados por superfecundação são meios-irmãos e têm em comum apenas parte dos cromossomos maternos.
De todo modo, indícios sobre a frequência da liberação de mais de um gameta feminino em um mesmo ciclo reprodutivo – necessária para haver a superfecundação – podem ser analisados por meio da ocorrência dos gêmeos fraternos ou dizigóticos.
A incidência de gêmeos, de qualquer tipo, na população em geral é de aproximadamente um em 80 partos. A geração de gêmeos dizigóticos depende da idade da mãe, do número de partos anteriores e de eventuais tratamentos feitos para problemas de fertilidade materna.
A frequência de gestações múltiplas varia entre etnias. Mulheres brancas têm, em média, um caso de gestação gemelar dizigótica em cada 100 partos. A ocorrência de gêmeos dizigóticos é mais rara em asiáticas (um para cada 150 gestações) e mais comum em mulheres negras (um em cada 79 gestações). Em certas áreas da África, inclusive, há um gestação gemelar em cada 20 partos.
Mulheres entre 35 e 39 anos têm o dobro de chances de ter gêmeos fraternos do que outros grupos etários. Além disso, mães com casos de gêmeos dizigóticos na família têm maiores probabilidades de gerar gêmeos fraternos.
A ocorrência de partos com mais de dois gêmeos é bem mais rara. Por exemplo, uma gestação com três irmãos gêmeos dizigóticos ocorre em cada 8 mil partos.
Chances remotas
Como vimos, outro tópico que deve ser analisado para a ocorrência de superfecundação é a necessidade de a mulher ter relações sexuais com mais de um parceiro durante o mesmo período fértil. Análises da literatura indicam que a taxa de paternidade extraconjugal gira em torno de 2%. Contudo, esse percentual varia de acordo com o país e com o grupo social analisado.
Por exemplo, uma análise do comportamento sexual liderada por Leigh Simmons, da Universidade Ocidental da Austrália, avaliou 416 voluntários e indicou que 28% dos homens e 22% das mulheres estiveram envolvidos, pelo menos uma vez, em relações com outros indivíduos além de seus parceiros sexuais.
Outros estudos indicam que os dados obtidos pela equipe de Simmons não são atípicos e que, em vários países e situações diferentes, de 7% a 41% dos homens e de 5% a 27% das mulheres jovens (entre 18 e 24 anos) já traíram os seus parceiros sexuais.
Por último, para que ocorra a superfecundação, é preciso que haja sucesso na fecundação. O êxito de uma fecundação depende da realização de relações sexuais durante o período fértil feminino. Estimativas indicam que o gameta feminino pode se manter viável por 24 horas após a sua liberação do ovário. Já os espermatozoides vivem no trato genital feminino por cerca de 72 a 80 horas.
Mesmo que ocorra a cópula durante o período fértil, há cerca de 10% de chances de sucesso na fecundação e uma porcentagem bem menor na implantação e no desenvolvimento embrionário posterior. Um indício disso é o elevado número de abortos naturais ─ pelo menos 45% ─ que ocorre no início da gravidez.
Portanto, a ocorrência de superfecundação, assim como de superfetação, é raríssima, tendo menos chances de acontecer do que se ganhar, por exemplo, na loteria ou de sermos atingidos por um meteoro.
Apesar disso, há na literatura médica alguns poucos casos relatados. Afinal, como sempre falamos quando tentamos a sorte na loteria, alguém tem que ganhar a bolada da vez…
Jerry Carvalho Borges
Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras