Imaginar novas tecnologias e sociedades nas quais elas são usadas pode impulsionar a inovação? Essa imaginação aumenta as chances de que ideias ou dispositivos específicos venham a se concretizar? Ela pode evitar o desenvolvimento de técnicas indesejáveis?
Todas essas perguntas se originam de uma única questão: a ficção científica pode influenciar a tecnologia e a inovação? Esse é o tema abordado pelo divulgador científico inglês Jon Turney no ensaio Imagining technologies (imaginando tecnologias, em português).
Nele, Turney faz uma revisão da literatura e das reflexões que vêm sendo feitas sobre o tema para chegar a algumas conclusões. Mas, como ele mesmo diz, pelo tema envolver pessoas, cultura e história, não há respostas simples e os detalhes variam muito de caso pra caso.
O ensaio não se limita, no entanto, a listar as interações entre a ficção científica e o desenvolvimento tecnológico. Turney também discute a possível aplicação prática das narrativas tecnológicas, numa perspectiva inovadora de se refletir sobre o gênero.
Afinidades
Para Turney, embora a ficção científica seja mais do que simplesmente uma história a respeito de uma determinada tecnologia, essa generalização é mais ou menos correta. Esse gênero literário seria, assim, uma arena importante para se pensar os efeitos da tecnologia, pois permite imaginar mundos nos quais a vida é determinada por desenvolvimentos tecnológicos que ainda não vimos, mas cuja criação pode ser influenciada pelo papel que exercem nessas realidades alternativas.
Por outro lado, toda novidade tecnológica começa na imaginação e precisa de uma descrição do seu objetivo, argumenta. Toda patente contém uma narrativa: construa este dispositivo ou siga este procedimento e certas coisas acontecerão – coisas que jamais foram vistas.
Ou seja, assim como as diversas tecnologias vêm com histórias, sempre houve ficção a respeito de tecnologia. Exemplos disso são os mitos de Prometeu e Ícaro. As narrativas tecnológicas se desenvolveram junto com a tecnologia e a ficção científica foi umas das respostas culturais mais poderosas ao seu desenvolvimento.
Animadora de torcida
Para Turney, deve-se ter cautela com afirmações de supostos elos entre ficção e novas tecnologias, mesmo quando estas têm o suporte de testemunhos pessoais. Mesmo eles não são prova concreta de influência direta, já que a similaridade pode ser mera coincidência e a memória humana enviesada.
Na análise do divulgador, a ficção científica é uma ótima maneira de visualizar o uso de uma tecnologia específica em um determinado contexto e, se outras condições forem propícias, estimular a criação dessa tecnologia, espalhando a ideia e promovendo o quão ‘legal’ ela poderia ser. Nesse sentido, a ficção científica seria uma espécie de animadora de torcida.
E o cinema de ficção científica seria o meio mais propício para esse tipo de torcida, pois as colaborações entre os produtores dos filmes e os desenvolvedores de uma tecnologia poderiam levar a criações avançadas de supostos protótipos desses artefatos tecnológicos e funcionar como uma prévia de como funcionariam na sociedade.
Por outro lado, histórias de ficção raramente têm sucesso em bloquear o avanço de uma determinada tecnologia, não importando quão terrível e apocalíptico seja o futuro descrito. Os casos das formas artificiais de reprodução e das armas nucleares são exemplos da impotência da ficção científica nesse sentido.
O poder da narrativa
O ensaio mostra também que há algumas maneiras de se aproveitar o rico acervo de histórias de ficção científica no desenvolvimento de novas tecnologias. Uma maneira seria por meio da prospecção de dados (data mining, em inglês), ou seja, pela análise exaustiva dessas narrativas e a identificação de ideias que possam levar a novos projetos.
Mas Turney se concentra mais profundamente na chamada ficção de design, na qual se busca criar projetos ficcionais e científicos que suscitem a discussão de possibilidades tecnológicas específicas que estão no horizonte, mas ainda não existem como produtos reais. Esta seria a etapa mais recente de um movimento que Turney resume assim:
Esses três tipos de história podem se influenciar mutuamente, tomando emprestados elementos umas das outras. Todas se beneficiam da flexibilidade ilimitada da ficção. A seu ver, elas seriam muito poderosas, considerando a extrema dificuldade de se visualizar os efeitos de novos desenvolvimentos tecnológicos.
Só se pode ter uma imagem clara do que aconteceria se colocarmos a nova tecnologia num mundo fictício desenvolvido para simular esses efeitos na realidade. Ou seja, segundo Turney, a narração inspirada seria uma ferramenta mais poderosa que a análise lógica.
Fred Furtado
Ciência Hoje/ RJ