A Malaspina 2010, maior expedição científica sobre mudanças climáticas já realizada e tema de reportagem em nosso site, chegou ao Rio de Janeiro ontem (13/01), vinda de Cádiz, na Espanha. O trajeto até o Brasil constitui a primeira de oito etapas da viagem de circunavegação. Apesar de estar apenas no início, o projeto já fez algumas descobertas surpreendentes sobre a biodiversidade e o fluxo de carbono nos oceanos.
Depois que o Hespérides atracou no píer Mauá e descarregou todo o lixo produzido durante quase um mês de viagem, o coordenador científico da expedição Carlos Duarte anunciou, em conferência de imprensa, os primeiros resultados já obtidos.
Com o uso de equipamentos de prospecção capazes de coletar água e plâncton a 4 mil metros de profundidade, os pesquisadores a bordo se depararam com algo inesperado: algas fotossintéticas nas profundezas oceânicas.
“É incrível achar essas microalgas vivendo onde a luz não chega”, declarou o biólogo Carlos Duarte. O pesquisador explicou que se esperava encontrar apenas células mortas e detritos nessa região.
Excitado com a descoberta, Duarte disse que ainda não se sabe a causa para esse comportamento anormal das algas. No entanto, uma das explicações cogitadas é que elas estejam usando as profundezas como um caminho para o deslocamento entre oceanos.
Das profundezas para a superfície
A outra surpresa da expedição foi justamente o contrário da primeira. Os cientistas analisavam a porção de água que fica nos primeiros 10 centímetros do oceano, uma região geralmente negligenciada nos estudos oceanográficos, quando se depararam com peixes que habitam profundidades superiores a 500 metros.
“O mais surpreendente foi constatar que a abundância desses organismos na superfície aumenta durante a noite”, contou Duarte, que por causa dessa observação chegou a mudar os horários de coleta e medição da expedição. Agora, ele e os demais cientistas a bordo irão verificar se o ciclo lunar tem alguma influência nesse fenômeno.
- Inseto do gênero ‘Halobates’, que desempenha um importante papel na cadeia alimentar marinha. (foto: Wikimedia Commons)
A hipótese inicial é de que os peixes das profundezas subam à superfície para se alimentar apenas nas noites sem lua. No entanto, ainda não é possível afirmar se esse é um movimento natural ou consequência de alguma mudança provocada pelas mudanças climáticas.
A análise da superfície também revelou uma elevada presença de insetos do gênero Halobates. Esses animais, que ficam na tensão superficial da água, já eram conhecidos e sua presença no oceano havia sido verificada anteriormente. A novidade é o reconhecimento do seu papel na cadeia alimentar marinha.
“Não imaginávamos que havia tantos desses insetos no meio do oceano”, comentou Duarte. “A superfície está se revelando um importante reservatório de biodiversidade.”
O biólogo explicou que os dados coletados até agora indicam que a superfície marítima possui de 10 a 100 vezes mais microorganismos que as profundezas, embora a atividade celular no oceano profundo seja mais intensa.
Mais carbono nos oceanos
Na viagem até o Brasil, os cientistas também observaram que, na região da linha do Equador, o oceano está com níveis muito baixos de oxigênio, menos de 1,5 ml/L, uma unidade abaixo dos últimos valores registrados.
Segundo Duarte, essa redução está associada ao consumo de oxigênio pelo plâncton local e confirma a tendência de acidificação dos oceanos. Até o momento, acreditava-se que esse fenômeno estava limitado à zona costeira, que sofre mais impacto da ação do homem.
“O aumento da temperatura da água estimula a respiração do plâncton, que consome oxigênio, e, assim, é possível que haja um feedback negativo das mudanças climáticas sobre os oceanos”, alertou Duarte.
Outro dado preocupante anunciado na coletiva é o aumento de gás carbônico (CO2) no deserto oceânico do giro subtropical sul, região delimitada pelo continente africano a leste, americano a oeste e meridionalmente pelo oceano Austral e Equador.
O alto índice de carbono é resultado da fotossíntese realizada pelas algas. “Essa região está atuando como uma grande fonte de carbono para a atmosfera”, afirmou o coordenador da expedição.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line