Dos medicamentos nas prateleiras brasileiras, cerca de 20% são produzidos com substâncias ativas nacionais. Dos 80% restantes, metade é importada de apenas três países – Alemanha, China e Estados Unidos. É: a maior parte da indústria farmacêutica do Brasil tem suas bases de produção no exterior.
Para mudar esse cenário, no qual o governo gastou cerca de oito bilhões de dólares em 2010, uma palavra-chave é: foco. “Se escolhermos um foco, uma linha terapêutica para produzir medicamentos, poderemos desenvolver uma molécula inovadora, e então a indústria nacional pode deslanchar”, cogita o farmacêutico Eliezer J. Barreiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O também farmacêutico Hayne Felipe da Silva, diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/Fiocruz), concorda e já pensa em alvos específicos. “Se apostarmos em fitoterápicos e em biofármacos, teremos condições de virar o jogo”, defende. Os pesquisadores participaram ontem (14/7) de mesa-redonda na 63ª Reunião Anual da SBPC, em Goiânia.
Estimular e cobrar
Diferentemente de outros países, onde empresas privadas respondem pela maioria dos investimentos em novos fármacos, no Brasil, o principal investimento em pesquisa e inovação na área parte dos cofres públicos. Uma maior integração entre a universidade e as indústrias farmacêuticas, portanto, costuma ser apontada como maneira de alavancar o desenvolvimento de novos fármacos. Mas, segundo Barreiro, não apenas isso.
“Nos últimos dez anos, o governo brasileiro tem despendido um esforço significativo em ações e políticas ordenadas e integradas com vários ministérios. O governo e a universidade revelam vontade de integração, mas as empresas também precisam mostrar”, defende o farmacêutico, para quem a indústria costuma apenas fingir que tem interesse em inovação, sem realizar investimentos ou pesquisas efetivas nessa direção.
Estimular as indústrias privadas a investir em inovação farmacêutica radical – a produção de uma nova molécula, por exemplo – passaria, segundo o farmacêutico, por uma combinação de estímulo e cobrança por parte do Estado.
Por exemplo, se o governo garantir a compra de um medicamento para a doença de Chagas, a empresa aceita pesquisar e produzir. “Mas precisa haver fiscalização e cobrança para que o combinado seja cumprido”, complementa Barreira.
Inovadores & genéricos
No mercado de genéricos, a indústria nacional está mais consistente: cerca de 88% dele são formados por capital brasileiro. Mas a situação – à primeira vista confortável e lucrativa – deve ser analisada com cautela. “Empresas estrangeiras têm mostrado interesse nas indústrias de genéricos brasileiras”, alerta Silva. “A Pfizer, por exemplo, comprou este ano a Teuto [de genéricos]. Temos que ficar de olho.”
O cuidado para manter uma predominância nacional na produção de genéricos, no entanto, não esbarra na pesquisa de novos fármacos. “Um remédio inovador traz qualidade de vida e sempre vai ter lugar no mercado em relação aos genéricos”, explica Barreira.
De olho no lucro proporcionado pela inovação, no entanto, muitas empresas farmacêuticas globais deixam de produzir fármacos mais antigos, embora ainda eficientes. “São os chamados ‘fármacos negligenciados’, que dão lugar a outros mais modernos e caros”, explica Silva. “Deve-se tomar cuidado para que isso não aconteça.”
Isabela Fraga
Ciência Hoje/ RJ
Acompanhe a cobertura completa da 63ª Reunião Anual da SBPC e confira a galeria de imagens do evento.