Retrospectivas, como bem disse a nossa colunista e historiadora Keila Grinberg, são, como a maioria das escolhas, subjetivas. A retrospectiva da CH On-line deste ano não é uma exceção. Por isso, vale explicar um pouco a ideia e as escolhas por trás dela.
Comecemos pela ideia inicial, que não vingou. Pensamos em voltar a alguns estudos importantes divulgados durante o ano e relatar seus desdobramentos desde então. A intenção era ressaltar o caráter contínuo da ciência.
A cobertura jornalística atual nessa área, no Brasil e em outros países, ao dar demasiada ênfase aos resultados de pesquisas e a suas aplicações práticas, ajuda a construir uma imagem deslocada – no tempo e no espaço – e utilitária da ciência – o que chega a justificar a ira de alguns pesquisadores diante da pergunta: “Para que serve isto?”.
Apesar das boas intenções, logo concluímos que seria difícil registrarmos desdobramentos relevantes de estudos divulgados há tão pouco tempo. Alguns meses ou mesmo um ano é um período curto para avanços significativos em pesquisas científicas.
Optamos, então, por um caminho mais seguro: selecionar áreas nas quais acontecimentos pontuais ganharam especial atenção este ano – no Brasil e no mundo – e que, por motivos diferentes, devem marcar de alguma forma a história da ciência.
Escolhas fáceis
No Ano Internacional da Química, instituído para comemorar os 100 anos do Nobel de Química da polonesa Marie Curie, não podíamos deixar essa área de fora. O Brasil participou ativamente das comemorações, realizando inúmeras atividades ligadas à divulgação da ciência que estuda a estrutura e a transformação das substâncias.
Durante o ano, dois novos elementos foram incorporados à tabela periódica, e a Academia Real de Ciências da Suécia surpreendeu ao conceder o Nobel de Química ao israelense Daniel Shechtman pela descoberta dos quasicristais, feita há quase 30 anos – o cientista já tinha desistido do prêmio. Quanto à pesquisa na área, o foco esteve principalmente na nanotecnologia.
O ano da física também foi especialmente agitado, sobretudo por conta dos neutrinos supostamente mais velozes que a luz. Não é por menos. Eles contradizem uma teoria importante de Einstein e, se comprovados, podem (e devem) causar uma reviravolta na física.
Ainda nessa área, falou-se muito no Grande Colisor de Hádrons, o famoso LHC, e na sua insistente busca pelo bóson de Higgs. Também não é por acaso. A comprovação de sua existência garantiria a paz no universo da física de partículas, já que praticamente todas as teorias utilizadas nesse campo dependem dela. Caso contrário, a bagunça também vai ser grande – o que, no fundo, muitos físicos desejam.
Neste mês, pesquisadores que procuram pela partícula em projetos conduzidos no LHC divulgaram resultados inconclusivos dos experimentos feitos até aqui, mas prometeram dar o veredicto no ano que vem. Fica a dúvida: se o bóson de Higgs não for encontrado, é possível descartar 100% a sua existência?
Seleção difícil
Em saúde, ficou bem mais complicado fazer escolhas. São tantas pesquisas, doenças, políticas… Optamos por uma divisão entre doenças crônico-degenerativas e enfermidades infectocontagiosas, visto que o Brasil vive um momento de transição importante no que diz respeito a esses dois tipos de problemas.
Historicamente, as doenças crônico-degenerativas são tratadas como um problema exclusivo do primeiro mundo. No entanto, nos últimos anos, elas vêm afetando cada vez mais o Brasil. Hoje, são tão ou mais preocupantes que as enfermidades infectocontagiosas – estas sim típicas de países em desenvolvimento –, o que exige uma reestruturação significativa do sistema de saúde pública do país.
No que tange às doenças crônicas, os destaques do ano se devem a novas aplicações da genética contra o câncer. Já em relação às enfermidades infecciosas, 2011 foi marcado pela estabilização das epidemias de Aids e tuberculose e pelo desenvolvimento de novas vacinas e estratégias terapêuticas.
Arenas mais conflituosas
Falar de meio ambiente em 2011 é lembrar de desastres naturais, no Brasil e no mundo. Enchentes devastaram o nordeste da Austrália, o estado de Minas Gerais e a região serrana do Rio de Janeiro – evento natural com impactos sem precedentes no país.
Terremotos destruíram partes da Nova Zelândia, da Turquia e do Japão – este seguido de tsunami e de acidente nuclear na usina de Fukushima, cujos efeitos ainda estamos tentando entender. Um deles é uma reflexão mais profunda sobre o uso da energia nuclear.
O ano do meio ambiente foi marcado ainda por uma série de estudos, polêmicas e políticas relacionadas às mudanças climáticas – que se cogita estarem ligadas à maior frequência de eventos naturais extremos.
No meio acadêmico, destaque para a criação da Nature Climate Change; entre as controvérsias, novos e-mails de suposta ‘fraude do clima’ ganharam atenção da mídia; na arena política, o foco esteve na COP-17, em Durban, África do Sul. O desfecho do encontro foi considerado um sucesso diplomático, mas preocupante para o futuro do planeta.
Enquanto fazia bonito na África do Sul, defendendo metas de diminuição de emissões para países em desenvolvimento e ajudando a resolver impasses político-terminológicos, o Brasil aprovava, no Senado, o texto-base do novo Código Florestal Brasileiro, que vem sendo criticado por ‘flexibilizar’ o desmatamento.
Falando em política nacional, vamos aos destaques nas ciências humanas: o primeiro ano de mandato da primeira ‘presidenta’ do Brasil; os avanços nas causas legais homoafetivas – casamento e união estável –; o caso do livro didático Por uma vida melhor, acusado de ensinar regras de português erradas; e a proliferação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro.
No âmbito internacional, impossível não falar dos acontecimentos em torno do que ficou conhecido como a primavera árabe, que envolveu a derrubada do presidente da Tunísia e o fim da era Mubarak no Egito e está dando trabalho para Assad, presidente da Síria, sem falar no assassinato de Kadafi, na Líbia.
Veja vídeo com imagens da praça Tahir, no Egito, tomada por manifestantes em janeiro de 2011
Manifestações políticas também agitaram o mundo ocidental. Em Lisboa, o movimento ‘Geração à rasca’ tomou a Avenida da Liberdade para reivindicar melhores condições de trabalho. Em Madri, milhares de pessoas se reuniram na praça Puerta del Sol para protestar contra o sistema político do país. A praça Zuccotti, em Nova Iorque, foi palco do ‘Occupy Wall Street’, protesto contra a crise econômica e o sistema financeiro do país. O papel das redes sociais nesses e em outros acontecimentos importantes também mereceu destaque e reflexões.
2011 também foi o ano da marca dos 7 bilhões de pessoas no mundo; da descoberta de diversos planetas extrassolares, da aposentadoria dos ônibus espaciais da Nasa, de avanços importantes relacionados à Aids, do feijão transgênico brasileiro e de tantos outros acontecimentos importantes que nem sempre conseguimos cobrir por falta de pessoal, recursos e, sobretudo, tempo. Não seria fantástico se um dia a ciência conseguisse fabricar mais tempo?
Mas voltemos aos fatos e à nossa retrospectiva. Nesta semana, você vai poder relembrar com mais detalhes a maior parte dos acontecimentos aqui destacados, escritos pela equipe que, durante todo o ano, buscou informar os leitores, da melhor forma possível, sobre acontecimentos relevantes do mundo científico, no intuito de fortalecer cada vez mais os laços entre a ciência e a sociedade.
Carla Almeida
Ciência Hoje On-line