Risco sistêmico ambiental

Foi anunciado recentemente que as medidas de combate à crise financeira já custaram impalpáveis 5 trilhões de dólares aos cofres dos Estados Unidos, sob pretexto de que a quebra de bancos representaria um risco sistêmico de colapso da economia global. A soma é mais de 30 vezes maior do que os 150 bilhões de dólares que o presidente eleito norte-americano Barack Obama afirmou que investirá em fontes renováveis de energia em um programa de dez anos.

A comparação desses dois números, feita pelo climatologista brasileiro Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é reveladora de como o mundo trata de economia e meio ambiente com dois pesos e duas medidas. O princípio de precaução funcionou de maneira muito diferente nas duas esferas. No caso da crise, a injeção de trilhões foi feita com urgência e precipitação – “e talvez nem evite o colapso da economia”, lembra Nobre.

Já o cenário com que se deparam os climatologistas é bem diferente. Foram necessárias décadas de pesquisas e advertências até que o mundo acordasse para a realidade do aquecimento global – e nem por isso foram tomadas medidas à altura da gravidade do problema.

Que não seja por falta de ameaça de colapso. O fim inevitável da camada de gelo no Ártico, a acidificação progressiva dos oceanos e a ameaça de savanização da Amazônia – tema de pesquisa do grupo de Carlos Nobre – deveriam ser um pretexto eloqüente o bastante para motivar uma mobilização semelhante à que se viu com a eclosão da crise financeira. “É preciso falar de risco sistêmico ambiental”, defende ele.

Foto do satélite Aqua mostra a cobertura de gelo no Pólo Norte, que atingiu em setembro o segundo ponto mais baixo já registrado. Se o derretimento das calotas polares tivesse impacto mais imediato sobre as bolsas de valores, será que o mundo estaria demorando tanto para agir? (foto: NASA/GSFC).

Primeiro violino
O paralelo entre economia e meio ambiente foi traçado ontem por Nobre na conferência de abertura no Fórum Internacional de Ecossaúde, realizado em Mérida, no México. À imagem do primeiro violino de uma orquestra, as reflexões feitas pelo brasileiro devem ditar o tom das discussões que serão travadas no evento até o dia 5, como lembrou Mario Henry Rodríguez, diretor do Instituto Nacional de Saúde Pública do México, que introduziu a palestra de Nobre.

O evento realizado em Mérida reúne pesquisadores de uma área de pesquisa transdisciplinar bastante jovem – a ecossaúde. A proposta desse campo é investigar como nossa intervenção sobre o meio ambiente afeta a saúde humana e propor soluções integradas para combater problemas de ambas as áreas. Não é por acaso que a mudança climática foi escolhida como tema da conferência inaugural do evento. O aquecimento global traz a reboque a ameaça de aumento de doenças infecciosas, especialmente nos países em desenvolvimento.

A própria escolha da sede do evento ganha significado especial quando analisada pela ótica da mudança climática. Mérida é a capital do estado mexicano de Yucatán, região que abrigou no passado a civilização maia. Alguns historiadores apontam a escassez de alimentos decorrente de um período prolongado de seca como um fator determinante para o colapso desse povo no início do século 9.

Que a história sirva de exemplo para que a mudança climática atual não sele a sorte da humanidade. Afinal, como lembrou a governadora do Yucatán, Ivonne Ortega Pacheco – uma das várias autoridades que falaram na abertura do evento –, “só pode haver saúde humana quando houver saúde natural”.

Bernardo Esteves (*)
Ciência Hoje On-line
02/12/2008

(*) O repórter viajou a Mérida financiado pela Federação Mundial dos Jornalistas de Ciência.