Sem recursos e sem solução

O Parque Nacional da Serra Capivara precisa de 300 funcionários e R$ 400 mil mensais para sua manutenção, mas conta apenas com 120 pessoas em seu quadro e R$ 0 na conta. O descaso do governo federal com o parque foi denunciado pela arqueóloga Niède Guidon, presidente da Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), na reunião anual da SBPC.

Criado em 1979 no Piauí, o Parque Nacional da Serra da Capivara abriga 600 sítios de pinturas e gravuras rupestres espalhados por 120 mil hectares, reconhecidos pela Unesco como patrimônio da humanidade. Atualmente, o parque vive de doações de empresas brasileiras como a Vale do Rio Doce e a Petrobras, além da Caixa Econômica Federal. O Ibama, parceiro administrativo do parque e responsável por repassar recursos federais permanentemente para sua manutenção, ainda não assinou este ano o contrato de parceria e, desde 2004, não repassa recursos para o parque.

A arqueóloga Niède Guidon durante coletiva à imprensa na reunião anual da SBPC (foto: Daiane Souza/UnB Agência).

Niède é paulista e, em 1964, mudou-se para França para fugir da perseguição do regime militar. Voltou ao Brasil em 1991, a pedido do governo, para coordenar um projeto de desenvolvimento sócio-econômico para o Parque Nacional da Serra da Capivara. Desde então, vem lutando para proteger e transformar o sítio em uma grande atração turística com retorno social para a comunidade local. No entanto, pouco tem conseguido junto às autoridades do país para concretizar a empreitada.

A construção de um aeroporto em São Raimundo Nonato, onde está localizado o parque, é apenas uma das promessas não cumpridas. Do aeroporto, que deveria ter ficado pronto em 2005, só existe a pista, tomada por poças d’água, como mostrou Niède em sua conferência. “Gastaram R$ 20 milhões para abrir a pista”. Resultado: com capacidade para receber três milhões de visitantes por ano, o parque recebe apenas 15 mil turistas nesse período.

Soma-se a estas dificuldades a instalação de assentamentos de sem-terra ao redor do parque, que começam a colocar em risco os sítios que se encontram fora se suas fronteiras. “O governo tem que tomar uma decisão”, afirmou Niéde. “Ou ele quer proteger o patrimônio, explorar o turismo e criar emprego na região, ou quer fazer assentamento.”

No ano passado, Niède pediu oficialmente ajuda à Casa Civil para colocar em prática o projeto de desenvolvimento sócio-econômico para a região encomendado pelo governo e pronto desde 1992, mas a resposta foi negativa. O Ministério do Meio Ambiente também já disse que não pode ajudar a manter o parque. A arqueóloga diz que não consegue mais trabalhar nas condições atuais. “Nunca sabemos se no mês seguinte vai ter dinheiro”.

Se até o final do mês, quando os recursos da Fundham se esgotarão, não houver garantias de um orçamento fixo e permanente para o Parque, Niède afirma que deixará o país novamente. “Não agüento mais.”

As pesquisas conduzidas por Niède Guidon nos sítios da Serra da Capivara desde 1973 alcançaram repercussão internacional e motivaram debates sobre a teoria do povoamento da América. Segundo ela, alguns resultados mostraram evidências da presença do homem no continente há 100 mil anos – Luzia, o mais antigo fóssil humano encontrado no Brasil, tem cerca de 11,5 mil anos. Os povos que ali viveram, segundo os estudos, dominavam tecnologias desde a pedra lascada, assim como os povos antigos da Europa e África.

Apesar da falta de verba para a manutenção do Parque, os estudos conduzidos por Niède na região, financiados pelo CNPq e pela Finep, devem ter continuidade.

Carla Almeida e Vivian Teixeira
Jornal da Ciência E-mail
20/07/2006