O premiado deste ano com o Nobel de Literatura é um velho conhecido dos suecos – embora seu nome seja quase desconhecido no Brasil. Tomas Tranströmer, de 80 anos, é o poeta contemporâneo mais famoso e bem-sucedido do país nórdico onde a láurea é conferida, e sua obra já foi traduzida para mais de 50 línguas.
“Quase” desconhecido porque – diferentemente do que sugere a pouca familiaridade dos brasileiros com seu nome – Tranströmer tem, sim, um poema traduzido no Brasil: os ‘Poemas haikai’, de 11 estrofes. O feito, até agora único, foi empreendido por Marta Manhães de Andrade no número 25 da revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, publicado em 2006, dedicado a obras suecas.
Algumas características evidenciadas por críticos de Tranströmer são perceptíveis na leitura do trecho acima – publicado sob o título de ‘Haiku’ na Inglaterra. A atmosfera surrealista, que mistura progressivamente a realidade concreta e “um estado apurado de consciência”, por exemplo, é ressaltada pelo resenhista Paul Batchelor, do jornal inglês Guardian.
O escritor e crítico Dave Bonta, editor da revista literária estadunidense qarrtsiluni, evidencia o “rico vocabulário de imagens do mundo natural” utilizado pelo poeta. O próprio Tranströmer já descreveu sua poesia como “lugares de encontro”, onde o escuro e a luz, o interior e o exterior colidem para provocar uma conexão súbita com o mundo, a história e nós mesmos. Já os jurados do prêmio justificaram a escolha por “suas imagens condensadas e translúcidas, que nos dão um novo acesso à realidade”.
A premiação de Tranströmer desbancou alguns nomes presentes há anos nas listas de favoritos, como o poeta sírio Adonis e o escritor japonês Haruki Murakami.
Nobel eurocêntrico?
Os aspectos levantados pelos críticos deixam claro que a poesia de Tranströmer não é insular ou regionalista. “Tranströmer tem forte tradição na poesia nórdica, mas sua obra tem ligação com toda a contemporaneidade”, elucida o escritor Marco Lucchesi, membro da Academia Brasileira de Letras e organizador da Poesia Sempre.
Mas o fato é que Tranströmer foi o oitavo europeu laureado com o Nobel de Literatura pela academia sueca nos últimos 10 anos – outros são, por exemplo, Herta Müller, Doris Lessing e Harold Pinter. As críticas a respeito de uma insularidade ou eurocentrismo da láurea haviam arrefecido ano passado, quando o peruano Mario Vargas Llosa foi premiado, mas ressurgiram neste ano. Já esperadas, também as insinuações de favorecimento de um sueco pela academia não tardaram.
Para Lucchesi, no entanto, o Nobel conferido a Tranströmer é mais do que merecido. “A poesia não é meramente um resultado geográfico: o espírito humano é muito maior que o seu país. A nacionalidade é um detalhe”, argumenta o escritor.
Apesar das críticas, não parece haver dúvida a respeito da importância e da qualidade da obra de Tranströmer. Por que, então, sua figura é tão pouco familiar mesmo para acadêmicos brasileiros? A resposta é simples – e óbvia. “O mercado de poesia no Brasil é bastante reduzido. Há pouco espaço para novas obras e poetas”, resume Lucchesi.
Como já aconteceu com outros laureados – um exemplo é o Orhan Pamuk, premiado em 2006 –, ao menos a alta visibilidade favorecida pelo Nobel deve suscitar nas editoras maior interesse em traduzir e publicar Tomas Tranströmer.
Tomas Tranströmer nasceu em Estocolmo (Suécia), em 1931. O pai era jornalista e a mãe era professora primária. Seu primeiro livro foi publicado em 1954, quando ainda estava na Universidade de Estocolmo, onde se formou em psicologia em 1956. Nunca foi ligado diretamente a uma escola de arte, movimento ou revista literária. Durante a maior parte da vida, conciliou a poesia com a psicologia. Falou sobre essa escolha em entrevista ao jornal espanhol El País: “Escolhi uma profissão que não atrapalhasse a escrita, mas que agregasse experiência. Nunca me arrependi”. Sofreu um derrame cerebral em 1990 que prejudicou sua habilidade de falar, mas continuou a escrever. Seu livro Sorgegondolen (A gôndola triste), publicado em 1996, vendeu mais de 30 mil exemplares. Além do Nobel, já foi laureado com o Prêmio de Poesia Bonnier, o Prêmio Internacional Neustadt de Literatura, o Prêmio Oevralids e o Prêmio Petrach.
Isabela Fraga
Ciência Hoje/ RJ