Um Xingu entre nós

Café da manhã no hotel onde estão os palestrantes e convidados da 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso (SBPC). É o último dia do evento, sexta-feira (15/7), e em uma das mesas do restaurante só se fala em um assunto: o debate que acontecerá logo mais sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte.

“Hoje vai ser quente o negócio”, diz um dos cientistas.

“Hoje vai ser quente o negócio”

A sessão do ‘Ciência em ebulição’ – atividade que chama para o debate pessoas com posições distintas sobre um tema – contou com o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e José Ailton de Lima, diretor de engenharia e construção da Chesf, estatal que detém 15% das ações da Norte Energia, consórcio responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte.

A usina, que deve ser levantada na região do rio Xingu, no Pará, é causa recorrente de celeuma na mídia, em Brasília, em mesas de bar e, até, de cafés da manhã.

A discussão é ampla e vem dos tempos do regime militar. Há praticamente quatro décadas, ambientalistas, índios, população ribeirinha e sociedade civil organizada tentam entrar em um acordo para que o projeto vá adiante (ou pare de vez, dependendo do interessado).

O cenário é tenso, de opiniões apaixonadas

Quem é contrário à construção da usina diz que os impactos ambiental e social na região serão graves. E mais: há suspeita de que esses impactos foram subdimensionados pelos órgãos reguladores. Um número maior de ribeirinhos, e talvez até de indígenas, estaria sendo bem mais prejudicado do que o divulgado.

Há ainda uma grave insatisfação com o regime de escoamento do rio. A mudança na condição do Xingu afetaria a flora e a fauna locais, contribuiria para o desequilíbrio ambiental e mudaria o ciclo ecológico dessa região do Pará. A consequência imediata recairia sobre quem mora no local, que teria de se adaptar (ou se retirar) do ambiente.

Quem é favorável à Belo Monte apresenta um outro quadro, conectado com o crescimento do país. É que a usina propiciaria, em momentos de pico, 11 gigawatts (GW) de potência – o que a tornaria a terceira maior hidrelétrica do mundo.

Além disso, o governo desdiz os ambientalistas e acadêmicos que sugerem deficiência nas pesquisas realizadas para medir o impacto da construção da hidrelétrica. Aponta também uma contrapartida social do projeto: segundo os construtores da usina, 4.500 famílias que vivem em palafitas serão realocadas e terão melhor condição de vida.

Pois bem. É este o cenário: tenso, de opiniões apaixonadas, que continuam sendo emitidas mesmo com o início oficial das obras, no primeiro semestre de 2011.

Última oportunidade

Por isso, não foi de se estranhar o debate no ‘Ciência em ebulição’: dicotômico do início ao fim. Dicotômico, talvez, até demais.

“Temos que voltar ao banco de dados, questionar as estatísticas cadastrais. Os grandes grupos privados passaram a controlar o fluxo das informações”, cobra o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida.

Lima: “Essa energia terá de vir de algum lugar”

“No Brasil, temos população pobre, nível de desigualdade grande – essa população tem de ser incluída e para isso precisa consumir energia; essa energia terá de vir de algum lugar”, diz o empresário José Ailton de Lima.

“Não adianta falar que a gente vai ouvir o povo – é enrolação –, essa opção não existe; em determinado momento o governo tem de tomar a decisão e nem sempre a decisão é simpática”, alerta Lima, ao mencionar a remoção da população que vive nas proximidades do Xingu.

Berno de Almeida: “A universidade não pode ficar apenas como consultora”

“A universidade não pode ficar apenas como consultora para atender esses projetos – falta rigor e trabalho científico em Belo Monte”, repete Berno de Almeida.

Lima muda de assunto e se irrita ao falar do cacique Raoni, liderança indígena que teria chorado em função da usina: “O Raoni é um instrumento da mídia internacional; ele está a 530 km de Belo Monte, a hidrelétrica não tem nada a ver com ele!”

“Eu lamento que o senhor ache que o projeto vai sair de qualquer jeito. Ele não vai sair de qualquer jeito, pois não é apenas questão de energia”, comenta Berno de Almeida.

“Por que os índios teriam mais direito do que nós, brasileiros?”, pergunta Lima, pontuando um estranho ‘não diálogo’ entre os dois, no qual a praticidade absoluta de um fagocitou a capacidade de ultrarrelativização do outro (e vice-versa).

Neste ‘Ciência em ebulição’, faltou uma terceira margem.

Assista abaixo a um trecho do debate e, depois, à opinião da plateia


Thiago Camelo

Ciência Hoje On-line


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