Agropecuária: vilã ou vítima?

As mudanças climáticas já em curso colocam a agricultura e a pecuária no banco de réus. Por um lado, a lavoura e o pasto são importantes fontes de gases estufa. Por outro, sofrem diretamente os impactos das mudanças climáticas.

Fica a pergunta: será possível produzir alimentos para os 9,1 bilhões de habitantes que a Terra terá em 2050 sem comprometer o meio ambiente?

Um artigo publicado por pesquisadores britânicos na revista Science discute essa questão e critica a ausência de programas voltados especificamente para a agricultura nos principais acordos climáticos fechados no cenário internacional.

A agricultura é uma das principais fontes de CO2 e de outros gases de impacto no aquecimento global

O grupo, que integra o programa do governo britânico sobre o futuro da alimentação e da agricultura, defende que novas políticas e maneiras sustentáveis de produção de alimentos sejam tema da próxima Conferência do Clima da ONU, que acontece em dezembro deste ano na África do Sul.

“A agricultura é uma das principais fontes de CO2 e emite muitos outros gases estufa com grande impacto no aquecimento global; cerca de 47% do metano (CH4) lançado na atmosfera e 58% do óxido nitroso (N2O) vêm dessa atividade e algo precisa ser feito para mudar esse cenário”, diz o artigo.

Mais produção sem expansão

No Brasil, segundo dados de 2007 do Ministério do Meio Ambiente, a agropecuária responde por 25% de todo o carbono emitido anualmente. A previsão da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação é que a produção agropecuária do país, que já é uma das maiores do planeta, cresça 40% até 2019.

Mas, felizmente, esse aumento vem acompanhado de uma redução proporcional da área de cultivo, o que significa que a agropecuária brasileira está se tornando mais eficiente e sustentável.

“Nos últimos 30 anos, a produção de alimentos no Brasil cresceu cerca de 150% e a área de cultivo apenas 20%”, afirma o engenheiro agrônomo da Embrapa Hilton Silveira Pinto. “O Brasil tem hoje a melhor tecnologia em agricultura do mundo.”

A opinião de Pinto ecoa no cenário internacional. Recentemente, a revista Nature publicou uma reportagem que cita o Brasil como uma grande fazenda global e enfatiza a otimização da produção de alimentos que ocorre no país.

Plantação de soja
Estudo prevê que a soja será uma das culturas mais afetadas pelas mudanças climáticas no Brasil. Sua área de plantio deve sofrer redução de 10% em 10 anos. (foto: Miriam Cardoso de Souza / CC BY-NC-ND 2.0)<br />

Mesmo com os avanços na produção, as lavouras brasileiras não devem sair ilesas das transformações no clima. Uma pesquisa coordenada por Silveira Pinto mostra que o aquecimento global pode levar a prejuízos nas safras de grãos de até 7,4 bilhões de reais em 2020. 

“A tendência é que a área de seca se estenda até o oeste da Bahia e o sul do Piauí e o Maranhão, regiões que hoje têm uma ótima produção de grãos.”

O café e a soja, principais produtos de exportação brasileiros, devem ser os mais afetados. Segundo o estudo, esses alimentos terão sua área de plantio reduzida em 10% daqui a 10 anos.

O pesquisador ressalta que, apesar dos prejuízos, não haverá falta de alimento. “Algumas culturas serão afetadas negativamente, mas outras serão beneficiadas”, afirma. “Um exemplo é a cana, que se comporta melhor em altas temperaturas e ‘gosta’ de teores mais altos de CO2”.

Espaço para melhoras

De acordo com o relatório do programa do governo britânico publicado no final de janeiro (27/01), a produção mundial de alimentos teria que crescer pelo menos 40% nas próximas duas décadas para evitar o aumento da fome global.

Para o economista Sérgio de Zen, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), o Brasil é um dos únicos países com condições de atender a essa demanda alimentar. Mas, para isso, ainda é preciso melhorar o seu sistema produtivo, principalmente na pecuária.

A produção mundial de alimentos teria que crescer 40% nas próximas duas décadas para evitar o aumento da fome

“A nossa agricultura é relativamente eficiente, mas a pecuária tem potencial para se desenvolver mais”, afirma. “Precisamos de mais investimentos, tanto da sociedade quanto do estado, para adaptar a produção.”

Um estudo sobre os impactos ambientais da pecuária de corte brasileira, liderado pelo economista, aponta que a produção de carne aumentará 25% e o rebanho 7% em 2025. Já as emissões de metano, principal gás estufa liberado pela pecuária, crescerão 3%.

Isso mostra que, apesar da necessidade de avanços tecnológicos e mais recursos, o futuro da pecuária aponta para um caminho mais sustentável.

Pecuária
Pesquisas indicam que, apesar do aumento previsto na produção de carne, a pecuária brasileira emitirá menos gases por pasto (foto: Eduardo Amorim/ CC BY-NC-SA 2.0)

Em busca de soluções

Apesar dos percalços, pesquisadores afirmam que é preciso e possível conciliar aumento de produção e redução de impactos ambientais. “A agropecuária não é problema, é até solução”, diz Pinto. “Novas tecnologias podem melhorar a agricultura, e a pecuária ainda absorver CO2.”

Uma técnica que já vem sendo empregada para reduzir as emissões de carbono é a integração entre lavoura, pasto e floresta. Nesse sistema, as emissões provenientes da pecuária são sequestradas pelas plantas da floresta e da plantação.

“Essa combinação tem se mostrado uma ótima experiência no Cerrado”, afirma a pesquisadora Magda Lima, da Embrapa Meio Ambiente.

Outra alternativa é o plantio direto, técnica adota no Brasil na década de 1970 e hoje disseminada pela zona rural do país. Nessa forma de plantação, o agricultor não usa o arado e semeia diretamente em buracos no solo. Desse modo, o carbono fica fixado na terra e não é lançado na atmosfera.

Essas e outras soluções para o problema das emissões da agropecuária integram o projeto Agricultura de Baixas Emissões de Carbono (ABC), plano do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) anunciado no final do ano passado.

A meta é cortar 104 milhões de toneladas do CO2 que é emitido no Brasil, reduzindo a emissão total do país para 170 milhões de toneladas por ano.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line