‘Ah! Eu tô maluco!!!’

Em tempos de globalização e cultura de massa, acostumamo-nos à visão pessimista que reduz os fenômenos culturais contemporâneos a expressões sem valor ou identidade. Não é o caso do pesquisador Micael Herschmann, que em seu O funk e o hip-hop invadem a cena analisa esses movimentos musicais como expressões criativas das camadas excluídas da sociedade.

null Para Micael, o Brasil por muito tempo se caracterizou por manifestações culturais bem-humoradas como o carnaval e o samba. Porém, é impossível não perceber uma profunda ’fissura’ social em nossa sociedade, pois grande parte da população não tem acesso ao modo de vida propagado pela mídia. Era natural, portanto, que surgisse entre os jovens da periferia e das favelas uma forma própria de lazer e protesto: o funk e o hip-hop.

O funk só se tornou conhecido do grande público por meio da ’invasão’ de um espaço nobre: os ‘arrastões’ nas praias da Zona Sul carioca em 18 de outubro de 1992. A primeira reação do noticiário foi associar esses conflitos às galeras funk dos subúrbios e favelas. Desde então, o imaginário coletivo trata esse movimento como uma expressão cultural violenta e ligada ao crime.

“Fica no ar a seguinte pergunta: quando parte da sociedade estigmatiza o funkeiro nos meios de comunicação de massa, o que se combate realmente: o funk ou o segmento social que o toma como importante forma de expressão cultural?” Para não cair nessa simplificação, Micael, que é professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizou um amplo estudo sobre o movimento funk carioca.

Ele percebeu que o funk é um movimento espontâneo e apolítico, que não mantém sua eloqüência no conflito e na tensão proposital contra a ’elite’. Em vez de injustiças sociais, sua temática privilegia os desencontros amorosos, o sexo ou a ’zoação’ pela ’zoação’. Sua força política vem do fato de se tratar de uma expressão marginal, desconhecida da mídia e que envolve dezenas de milhares de jovens pobres.

Um dos pontos mais interessantes do livro são as descrições dos bailes funk. Nelas, aprendemos a diferença entre os bailes de comunidade, onde não há conflitos entre os grupos de funkeiros, e os ’de corredor’, em que as galeras funk se dividem em dois lados e se confrontam. “É impressionante como não há ódio nos olhares destes ’jovens guerreiros’, mas uma grande satisfação ou um ar de deboche ao extravasar a agressividade”, afirma o autor.

Já o hip-hop, movimento que une o rap, o break e o grafite, surge nos anos 1990, sobretudo na capital paulista. Ao contrário do funk, possui forte conotação política, como mostram suas fortes letras de protesto.

O que ambos desenvolveram muito bem foi a ’estética da versão’, que usa bases sonoras de músicas estrangeiras para criar sua própria territorialidade, e com isso “dialogar criativamente com o processo de ’pastichização’ cada vez mais freqüente no mundo contemporâneo”.

O funk e o hip-hop invadem a cena é um livro interessante e revelador. Embora soe acadêmico em alguns trechos, o texto lembra na maior parte uma grande reportagem sobre essas expressões culturais contemporâneas.

O funk e o hip-hop invadem a cena
Micael Herschmann
Rio de Janeiro, 2003, Editora UFRJ
308 páginas – R$ 25,00

Denis Weisz Kuck
Especial para a CH On-line
11/02/04