Alecrim (des)contaminado

O alecrim, popularmente conhecido por suas referências musicais e propriedades medicinais, tem mais uma faceta revelada. Novo estudo sugere que uma espécie da planta seja resistente ao arsênio, elemento químico tóxico e presente em concentrações perigosas em locais onde houve ou há atividades mineradoras.

Na mineração do ouro e do carvão mineral em rocha dura, a quebra dessas rochas para a obtenção dos minerais libera arsênio, que rapidamente contamina o ar, o solo e a água locais. Altamente tóxico, esse elemento interfere em ações enzimáticas e afeta os diferentes sistemas do organismo humano, podendo causar diversos tipos de câncer e problemas de pele.

A cidade de Nova Lima, em Minas Gerais, é fortemente afetada pela contaminação de arsênio, pois apresenta intensa atividade mineradora. Pesquisando no local, a bióloga Lívia Gilberti reparou que o alecrim-do-campo (Baccharis dracunculifolia) crescia naturalmente na região, apesar das condições desfavoráveis.

Intrigada com a situação, Gilberti decidiu estudar o caso, que resultou na sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A bióloga recolheu três amostras de solo e de alecrim-do-campo (caule e folha) de quatro áreas nos arreadores da Mina do Queiroz – ao todo 12 amostras de solo e 12 da planta.

O alecrim colhido foi colocado em uma estufa de secagem e depois separado entre caule e folha para ser avaliada a quantidade de arsênio em cada uma dessas partes. A pesquisadora identificou uma concentração de 72 miligramas do elemento por quilo de planta nas folhas e 22mg/kg no caule.

Já as amostras de solo coletadas foram enviadas para o agrônomo Ricardo Berbara, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que mediu a quantidade de arsênio presente em cada uma delas. Em uma das áreas pesquisadas, de onde foram colhidas três amostras, foi encontrado um valor de 8.000mg/kg do elemento – muito acima do limite de 100mg/kg previsto por lei.

Retenção estratégica

Gilberti repetiu o procedimento com alecrim que ela mesma plantou na estufa da UFMG. “Lá, eu pude controlar o ambiente, ou seja, o pH e tipo de solo, umidade e temperatura e acabei obtendo resultados bem parecidos com as amostras do campo”, conta.

Sete diferentes grupos de alecrim foram cultivados por dois meses, ao longo dos quais a pesquisadora foi aplicando diferentes quantidades de arsênio (em solução aquosa). Um deles – o grupo controle – só recebeu água destilada. Os outros seis, com 15 plantas cada, receberam 5mg/L, 10mg/L, 25mg/L, 50mg/L, 100mg/L e 200mg/L da solução.

Durante esse período, a bióloga analisou alguns parâmetros de crescimento, como o número de folhas e a espessura do caule, além da biomassa e as características nutricionais das plantas. “Apesar de algumas amostras de alecrim terem sofrido alterações por causa da alta toxicidade, como a apresentação de manchas amarelas e vermelhas e a redução do crescimento, elas sobreviveram”, afirma Gilberti. “Nas menores concentrações, pudemos até notar um aumento na produção de folhas.”

alecrim-do-campo em estufa
Pesquisadora cultivou alecrim-do-campo em estufa para obter mais informações sobre a planta. Os resultados mostraram que a espécie retém arsênio na raiz, evitando o comprometimento de seu desenvolvimento. (foto: Lívia Gilberti)

Após os dois meses de observação, a pesquisadora submeteu os grupos de alecrim a uma série de processos para medir a quantidade de arsênio presente nos tecidos das plantas. Aquelas que receberam a menor dose do elemento (5mg/L) apresentaram concentração média de 29,24mg/kg de arsênio, enquanto as que receberam a maior dose (200mg/L) apresentaram concentração média de 177 mg/kg.

O que mais chamou a atenção da bióloga, porém, não foram os números em si, mas a alta quantidade de arsênio absorvida pelas raízes das plantas, 80% do total. Gilberti explica que essa concentração se deve ao que chamou de “estratégia de exclusão”, em que o alecrim retém o elemento tóxico na raiz, evitando que seu desenvolvimento seja comprometido.

O alecrim retém o elemento tóxico na raiz, evitando que seu desenvolvimento seja comprometido

Diante dos resultados, a pesquisadora propõe o uso do alecrim como absorvente de arsênio em regiões de atividade mineradora. Retendo esse elemento químico, ele poderia ajudar a descontaminar o solo e a regular a quantidade de arsênio no ambiente. “A ideia é oferecer às mineradoras uma técnica barata e natural para recuperar o terreno, além de evitar a erosão do solo e a poluição da água quando as minas forem abandonadas”, afirma Gilberti.

Mineração no Brasil
A exploração mineral no Brasil não para de crescer. De acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), a produção nacional no setor aumentou 28% de 2010 para 2011. São, ao todo, 7.932 empresas no país, a maior parte localizada na região Sudeste, em função do quadrilátero ferrífero, região em que se encontra Nova Lima (MG).

A extração mineral intensiva é economicamente estimulada, pois gera produtos importantes para as exportações brasileiras. Por outro lado, a atividade acarreta inúmeros impactos ambientais e na saúde de quem trabalha no setor e de quem mora perto das minas.

De acordo com o biólogo Jean Remy Guimarães, as leis brasileiras impõem limites de concentração para todos os poluentes, inclusive metais, mas as normais são bastante antigas, pouco aplicadas e minimamente fiscalizadas. “Esse setor tem um ‘poder de fogo’ muito grande”, aponta o biólogo. “Há um crescimento da mineração, mas não se fala da questão ambiental.”

Os impactos ambientais são diversos. Um deles é a poluição da água por elementos tóxicos, que acaba contaminando os peixes e, consequentemente, as pessoas que os consomem. Outro meio de contaminação é o solo, no qual são produzidos os alimentos também consumidos pela população.

Fernanda Braune
Ciência Hoje On-line