Além do curativo

São registrados anualmente no Brasil um milhão de casos de queimaduras, dois terços deles envolvendo crianças. Além de faltar estrutura hospitalar para atender emergências, pacientes com queimaduras mais leves precisam passar por trocas periódicas de curativo e, muitas vezes, por cirurgia para removê-lo, tornando o tratamento pouco prático e dispendioso.

Em meio ao quadro alarmante, o surgimento de um material alternativo para tratar queimaduras – e outras lesões da pele – é mais que bem-vindo. Desenvolvido pela bióloga Giselle Cherutti durante seu mestrado em engenharia mecânica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o dispositivo mostrou potencial para promover a regeneração da pele de forma eficiente, barata e sem necessidade cirúrgica.

A simplicidade da composição do curativo – à base de tecido suíno e polímero biodegradável – garante a ele custos mais baixos do investido em materiais similares, além de trazer menor risco de rejeição ao paciente. “A derme de porco foi escolhida por sua composição ser 78% compatível com a pele humana”, conta Cherutti.

“A derme de porco foi escolhida por sua composição ser 78% compatível com a pele humana”

A pesquisadora utilizou a camada mais porosa da pele do animal, o que contribui para a proliferação das células humanas. Rica em fibras de colágeno e elastina, esse tecido flexível também ajuda na regeneração da pele humana e contribui para o conforto do paciente: “Quando a pele está em processo de regeneração, pode haver contração. Assim, o material flexível facilita esse movimento natural”.

Já o polímero foi desenvolvido pela orientadora de Cherutti, a química Eliana Aparecida de Rezende Duek, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e tem a função de proteger o local da lesão do contato com o ambiente, o que poderia provocar infecções na região. O material traz a grande vantagem de poder ser absorvido pelo próprio organismo, dispensando intervenções cirúrgicas para remoção.

“Por sua estrutura sofrer reações na presença de água, o polímero se degrada no contato com o fluido corpóreo”, explica Duek. Além disso, a química estima que seu custo chegue a ser quatro ou cinco vezes menor do que de outras proteções similares disponíveis no mercado, por ser sintetizado em território nacional.

Polímero
O polímero utilizado no dispositivo, além de proteger a queimadura do contato com o ambiente, tem a vantagem de poder ser absorvido pelo próprio organismo, dispensando intervenções cirúrgicas para remoção. (foto: Gilson Oliveira/ PUC-SP)

Os dois componentes foram unidos pela ação de um solvente orgânico, que fez com que a superfície do polímero aderisse aos poros existentes entre as fibras colágenas da derme do porco.

Em fase de testes

Durante o mestrado de Cherutti, testes de laboratório foram realizados com células fibroblásticas retiradas da derme de primatas para avaliar a toxicidade do dispositivo. Essas células foram mantidas em cultura com soro nutritivo capaz de promover uma expansão celular, podendo ser vista em microscópio óptico comum. A camada resultante desse procedimento foi colocada sobre o aparato. Como não houve morte celular, a pesquisadora pôde comprovar que o produto não é tóxico.

Além disso, Cherutti verificou que as células proliferaram em contato com o material, o que indica o seu potencial para auxiliar na regeneração de tecidos. Ela acrescenta que, em comparação com os resultados obtidos em testes de outros dispositivos, o tempo de regeneração da pele foi o mesmo de produtos comerciais. Mas o fato de ter um custo mais baixo faria dele um substituto mais acessível para os tratamentos atuais.

“Não há previsão para lançamento no mercado, pois o material ainda está sendo estudado”

O próximo passo é fazer testes em animais com queimaduras, para avaliar a ação regenerativa na pele danificada. Só depois o dispositivo será testado em humanos. “Não há previsão para lançamento no mercado, pois o material ainda está sendo estudado. Alguns outros compostos vão ser incorporados ao material na tentativa de melhorar seu desempenho.”

Camille Dornelles
Ciência Hoje On-line