Amarelinhos e eletrizados

Se você mora ou está de passagem pelo Rio de Janeiro, e tiver um pouco de sorte, poderá, a partir desta semana, viver a experiência de andar a bordo de um carro elétrico – na verdade, num táxi movido à eletricidade. Até o fim do ano, 15 desses veículos passarão a integrar a frota da cidade, numa parceria da prefeitura com a montadora japonesa Nissan e a Petrobras Distribuidora. As duas primeiras unidades foram entregues na terça-feira (05/03). A iniciativa pode impulsionar a pesquisa nacional, mas a opção pela tecnologia usada e pelo transporte individual gera questionamentos.

O modelo foi lançado em 2010 e hoje existem 50 mil unidades no mundo, sendo dez delas integradas à frota de táxis de São Paulo

A frota de táxis do Rio de Janeiro é composta por cerca de 35 mil veículos, mas nenhum como o Nissan Leaf. O modelo 100% elétrico, lançado em 2010 no Japão e nos Estados Unidos e em 2011 na Europa, não emite gases poluentes e não faz barulho. Hoje existem cerca de 50 mil unidades em circulação no mundo, dez delas integrando a frota de táxis de São Paulo, em parceria semelhante à realizada no Rio. Para a prefeitura carioca, que tem como meta reduzir a emissão de gases do efeito estufa na cidade em 16% até 2016, o projeto vai dar a oportunidade ao carioca de fazer um testdrive nessa tecnologia. 

Na cerimônia de entrega das primeiras unidades, o prefeito Eduardo Paes afirmou que, mesmo em fase experimental, a iniciativa reforça a vocação ambiental do Rio. “A ideia é dar cada vez mais subsídios para a compra desse tipo de carro, pois o retorno para a cidade e para o ambiente supera em muito os custos”, afirmou. Além da parceria, a Nissan transferiu sua sede no país para o Rio de Janeiro e está construindo uma nova fábrica – de automóveis tradicionais – em Resende, sul do estado.

No evento, o secretário municipal de transporte, Carlos Osório, também falou sobre a escolha dos motoristas que conduzirão as unidades: “Os taxistas são fundamentais para a experiência do turista e esses servirão de exemplo para os demais.” A seleção dos motoristas levou em consideração critérios como tempo de praça, ausência de multas, domínio de idiomas, conhecimento da cidade e até habilidades comunicativas. 

Táxi elétrico
Para recarregar o Leaf, Arthur Marfir e os demais taxistas selecionados poderão utilizar dois postos de carregamento rápido. Cada abastecimento leva 30 minutos e a autonomia do carro é de 160 km. (fotos: Marcelo Garcia)

Um dos selecionados, Arthur Marfir, de 51 anos e taxista há 15, conta que o grupo passou por um curso de dois meses sobre o Leaf, oferecido pela Nissan. “O carro é bem diferente, mas seu desempenho não fica devendo em nada no trânsito da cidade”, diz o motorista. “É um sonho ter recebido essa oportunidade!” As duas primeiras unidades atenderão o aeroporto Santos Dumont, no centro da cidade, e, fora do expediente, ficarão estacionados no prédio da prefeitura, em Botafogo. 

A recarga dos veículos poderá ser feita em dois postos BR, na Lagoa e na Barra da Tijuca, equipados com ‘carregadores rápidos’. Nesses terminais, o abastecimento total no módulo de 48 baterias íon-lítio do automóvel leva cerca de 30 minutos – em casa, levaria oito horas. Para cada recarga completa, a autonomia do Leaf é de 160 km. Isso significa que os taxistas precisarão recarregar as baterias com frequência, já que rodam, em média, 300 km por dia, segundo Marfir. A partir desse projeto, a Petrobras vai avaliar a possibilidade de instalação de uma rede de postos de carga rápida mais ampla na cidade.

Gargalos tecnológicos

O engenheiro Luis Guilherme Rolim, da escola politécnica e do instituto de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/ UFRJ), acredita que a iniciativa, apesar de utilizar tecnologia estrangeira, pode estimular a pesquisa nacional. Ele destaca a dificuldade de produzir carros 100% elétricos – a maioria dos que circulam no mundo é híbrida, com um motor elétrico e outro à combustão. “Muitas pesquisas na área, por exemplo, são segredo industrial, então é preciso reinventar a roda sempre”, afirma.

Fontes de energia
O impacto ambiental do carro elétrico depende da fonte da eletricidade que ele utiliza. No Brasil, o aumento da importância das termelétricas pode diminuir sua eficiência ecológica. (fotos: Flickr/ minplanpac – CC BY-NC-SA 2.0)

Para o também engenheiro Ennio Peres da Silva, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a iniciativa do Rio de Janeiro e de São Paulo são interessantes para avaliar adaptações necessárias para as condições brasileiras. “Por exemplo, qual será o efeito das altas temperaturas, das ruas esburacadas e dos constantes engarrafamentos nos componentes do carro?”, indaga. “Os taxistas são ótimos testadores, rodam muito e podem trazer dados sobre a durabilidade do sistema, o que tem impacto na sua viabilidade para uso comercial.”

Em relação à possível popularização da tecnologia, Rolim destaca dois problemas: o aumento de demanda elétrica e a origem da energia utilizada. “As redes elétricas, em especial do Brasil, não estão preparadas para esse aumento de consumo”, avalia. “Além disso, o Brasil parece próximo de seu limite de geração de energia hidrelétrica. Se em substituição adotarmos fontes poluentes como o carvão, não haverá ganho ambiental.”  

Rolim: “As redes elétricas, em especial do Brasil, não estão preparadas para esse aumento de consumo”

Silva também destaca as limitações técnicas dos carros elétricos, como o tempo de abastecimento longo e uma autonomia reduzida, e chama atenção para outra tecnologia alternativa que tem ganhado força no setor de automóveis: o hidrogênio. “Se não temos paciência de ir ao posto abastecer uma vez por semana, imagine toda noite, e por um tempo maior”, compara. “Muitas montadoras já vêm desenvolvendo testes com carros de hidrogênio, que também não fazem barulho, têm recarga rápida e uma autonomia de até 500 km.” A opção teria outra vantagem: como o hidrogênio pode ser gerado a partir de muitas fontes (etanol, madeira, resíduo agrícola e outros), todo país poderia ter acesso ao combustível. 

Ônibus a hidrogênio
Para os pesquisadores, mais investimentos devem ser feitos em transportes coletivos limpos. Só a Coppe/UFRJ apresenta duas alternativas, um ônibus movido a hidrogênio e um trem de gravitação magnética. (foto: Coppe/ UFRJ)

Independentemente da energia escolhida, o projeto da prefeitura carioca peca, na avaliação dos especialistas, por investir no transporte individual ao invés do coletivo. “Apesar de positivo, esse tipo de parceria não pode ser o único caminho; a solução do trânsito está no transporte de massa”, avalia Rolim. A própria Coppe tem dois projetos de alternativas limpas de transporte coletivo: o ônibus movido a hidrogênio, que já teve protótipos utilizados na Rio+20, e um trem de levitação magnética, cujo protótipo vai interligar dois prédios do campus da UFRJ. 

Na Unicamp, o grupo de Silva chegou a desenvolver um protótipo de carro movido a hidrogênio em 2004 e agora se dedica à criação de um ônibus que utilize o combustível, em parceria com a empresa Itaipu Binacional – que também já desenvolveu um carro 100% elétrico.

No entanto, a prefeitura do Rio de Janeiro informou que a Nissan foi a única empresa a apresentar uma proposta na chamada pública realizada para o projeto. 


Marcelo Garcia 

Ciência Hoje On-line