Em meio ao permanente desafio da redução das emissões de gases do efeito estufa, o clima do planeta parece ter mais uma ameaça pela frente. É o que sugere um estudo sobre o impacto ambiental causado pelos combustíveis que alimentam foguetes usados no turismo espacial.
Pesquisadores norte-americanos preveem que a fuligem liberada por esses veículos pode ser uma das grandes responsáveis pelas mudanças climáticas na próxima década.
O turismo espacial hoje já é uma indústria. Desde 2001, quando ocorreu a primeira viagem da categoria, até 2009, sete pessoas já pagaram para ir ao espaço. E esse mercado tende a crescer. Foi esse o panorama considerado pelos envolvidos no estudo, aceito para publicação no Geophysical Research Letters.
Segundo os pesquisadores, em um futuro próximo, pode chegar a mil o número de lançamentos previstos por ano pelas companhias desse tipo de turismo. Essa quantidade de viagens acumularia mais de mil toneladas de fuligem na estratosfera.
É nessa camada, a segunda da atmosfera, que a fuligem (ou carbono negro) liberada na queima dos hidrocarbonetos usados como combustível nos voos turísticos suborbitais permaneceria por anos, devido à ausência de chuva ou vento para filtrá-la.
O mesmo já não acontece com a fuligem liberada por aviões a jato ou usinas de carvão, que leva no máximo algumas semanas, às vezes dias, para se desprender da atmosfera, como comparou o estudo.
Reações do ambiente
Os pesquisadores acreditam que a fuligem acumulada na estratosfera acabaria absorvendo a luz solar que naturalmente chega à Terra. E quem sofreria as consequências seriam, principalmente, as temperaturas do planeta.
Segundo os autores do artigo, abaixo da fina camada estratosférica de fuligem acumulada nos locais onde ocorrem os lançamentos, a superfície do planeta poderia esfriar até 0,7 ºC, enquanto na Antártica a temperatura subiria 0,8 ºC.
As previsões foram obtidas a partir de simulações computadorizadas, feitas por um dos mais avançados programas de código aberto usados para estudar os impactos climáticos globais.
A partir delas, também foi possível prever mudanças nos níveis de ozônio, gás presente sobretudo na estratosfera. Os resultados das simulações indicaram que, se o ritmo de crescimento da indústria do turismo espacial se confirmar, a coluna de ozônio nos trópicos deve diminuir 1% e tende a aumentar até 6% nos polos.
Ainda que os foguetes venham a ser lançados de um único local da América do Norte, os pesquisadores afirmam que as consequências climáticas – a principal delas, o aumento da temperatura – seriam globais. Além disso, o impacto ambiental provocado pela fuligem produzida no turismo espacial superaria o causado pelo gás carbônico gerado na mesma atividade.
“A resposta do sistema climático para o volume relativamente pequeno de carbono negro é surpreendente”, diz em comunicado à imprensa um dos autores do estudo, Michael Mills, do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica, nos Estados Unidos. “E nossos resultados mostram sensibilidade particular do sistema climático ao tipo de partícula que foguetes emitem.”
Primeiros passos, novos desafios
Por ser o primeiro estudo a considerar os impactos ambientais de foguetes alimentados por hidrocarbonetos, a pesquisa está longe de ter uma conclusão definitiva. “Mais estudo é necessário para compreender os efeitos de diferentes tipos de emissões de foguetes sobre o meio ambiente e o clima”, destaca o principal autor do artigo, Martin Ross, da Corporação Aeroespacial (Califórnia), em entrevista à CH On-line.
Mesmo que sejam comprovados os efeitos negativos dessas emissões, ainda não está definido quem deverá assumir a responsabilidade por suas consequências.
Como explica José Monserrat Filho, do Instituto Internacional de Direito Espacial, a questão ambiental ainda não é regulamentada no âmbito das atividades espaciais.
“No direito internacional, não existe nada nesse sentido”, diz. “Os países desenvolvidos têm, isoladamente, leis nacionais sobre isso, o que não acho correto. Essa é uma questão internacional, porque os efeitos serão, naturalmente, internacionais.”
O mesmo interesse de coletivizar a questão tem Martin Ross, quando se refere ao futuro de sua pesquisa: “Esse estudo é apenas o primeiro passo para compreender as causas e efeitos do aumento de lançamentos de foguetes. Mas outro passo importante seria dado se a comunidade científica e a indústria trabalharem juntas para estudar o problema.”
Carolina Drago
Ciência Hoje On-line