Amor à centésima vista

Jovem e livre. Do sexo oposto. Da mesma espécie que a sua. Pronto! Se você fosse um crustáceo, um indivíduo que aparecesse na sua frente com essas características seria um bom candidato para a procriação, certo? Errado! Ao menos para os caranguejos Uca crenulata , a conquista não é tão imediata assim. As fêmeas dessa espécie, responsáveis pela ‘caça’ sexual, dedicam um bom tempo à procura do ‘par perfeito’, selecionando-o entre um número de candidatos que pode ir de poucas dezenas a mais de cem. O principal motivo para tanto rigor parece ser a sobrevivência da prole.

O macho Uca crenulata tem uma garra protuberante, cerca de cinco vezes maior que a das fêmeas. É com ela que ele acena para as pretendentes na ‘porta’ de sua toca. (imagens: Catherine deRivera)

Encontrados na costa pacífica da América do Norte, os Uca crenulata são uma das espécies conhecidas como caranguejos-violinistas. Sua conduta sexual é peculiar. A fêmea é que é responsável pela escolha do parceiro: enquanto ela inicia a jornada em busca de um pai para os futuros filhos, o macho se mantém na abertura da toca, esperando que as pretendentes passem por sua ‘porta’. Quando isso acontece, o macho a corteja com um gesto semelhante a um aceno de mão – ou melhor, de garra.

 
Se o porte do macho for parecido com o da fêmea, ela se aproxima da abertura da toca masculina e introduz uma parte de seu corpo. Se as características do ambiente lhe satisfizerem, ela entra com o restante do corpo e é seguida pelo macho. Após a cópula, consumada dentro da ‘casa’, o macho volta à superfície, para tentar conquistar novas parceiras. Já a fêmea pode permanecer ali dentro de 12 a 16 dias, tempo necessário para que os ovos eclodam e as larvas possam ser liberadas.
 
No entanto, até que esse grande encontro ocorra, a fêmea violinista visita, em média, 23 tocas de machos. Isso é o que constatou uma equipe de biólogos da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA) que, durante três anos, observou o comportamento desses caranguejos e acompanhou a trajetória de 118 fêmeas, identificando com dardos as tocas visitadas. “Uma delas chegou a passar por 106 tocas antes de escolher seu parceiro!”, conta, surpresa, a bióloga Catherine deRivera, coordenadora da pesquisa. As observações, realizadas no estuário do rio Chula Vista, perto da fronteira dos Estados Unidos com o México, foram relatadas na edição de julho da revista Animal Behaviour .
 

Perfil da toca de fêmeas (esq.) e machos (dir.) da espécie Uca crenulata . A toca masculina é mais profunda e pode contar com até quatro câmaras de incubação, que abrigam, individualmente, as fêmeas grávidas.

Os resultados chamaram a atenção dos pesquisadores: normalmente, uma busca tão extensa por um parceiro exige tempo e energia extras, além de aumentar o risco de ataque por predadores.

 
Então, qual seria a vantagem de as senhoritas U. crenulata serem tão exigentes? Segundo deRivera, a toca do macho deve se ajustar perfeitamente ao tamanho da fêmea, pois disso dependerá o tempo de incubação dos ovos, dentro do abdome da mãe. A toca ideal fornece as melhores condições de espaço e temperatura para o desenvolvimento dos filhotes. As larvas devem ser liberadas no momento exato em que marés noturnas de maior amplitude – capazes de transportar a prole rapidamente até o mar – passam pelo estuário do rio. “A maior velocidade no transporte evita que as larvas sejam atacadas por predadores como pássaros, peixes e até outros caranguejos”, explica a bióloga.

Lia Brum
Ciência Hoje On-line
17/08/05