Arqueologia do fotojornalismo brasileiro

 

A fotografia ocupa espaço privilegiado na imprensa brasileira. No entanto, pouco se sabe sobre como essa técnica foi introduzida no país. Para preencher essa lacuna na memória nacional o pesquisador Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, estuda os primórdios da fotorreportagem, tendo como ponto de partida a imprensa carioca do século 19.

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Imagens integrantes de fotorreportagem publicada em 1877 na revista O Besouro sobre a seca no Ceará

“A intenção inicial era investigar a produção periodística brasileira de 1839 a 1945”, diz Marçal. “Mas a tarefa extrapolava os objetivos de um mestrado.” A pesquisa foi reformulada para abranger apenas jornais e revistas publicados na cidade do Rio de Janeiro de 1839, ano do surgimento do daguerreótipo (primeiro processo fotográfico patenteado), até 1900, virada do século. A equipe do pesquisador analisou 1126 periódicos da Biblioteca Nacional, detectou as ilustrações e investigou quais delas tinham origem fotográfica.

Até a invenção da fotografia, a imprensa era ilustrada por caricaturas — característica que persistiu nas primeiras fotorreportagens. A ‘foto’ no jornal na verdade era uma cópia, feita à mão, da original. A transposição era feita a partir da litogravura (gravação na pedra), técnica rudimentar que não permitia a impressão simultânea de texto e imagem. Por isso, os periódicos da época eram divididos em páginas visuais e textuais.

A técnica fotográfica chegou ao Brasil ainda em 1839, mas só foi inserida na imprensa muitos anos depois. Durante a Guerra do Paraguai aparece o primeiro esboço de uma fotorreportagem, em 1865. “Mas não é seguro afirmar que aquela foi a primeira vez em que se reproduziu uma imagem fotográfica em nossa imprensa”, diz Marçal. Como a fotografia já era bem difundida na época, outras imagens podem ter sido usadas como base para ilustrações sem que isso fosse declarado.

 

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A imagem de D. Pedro II e do Duque de Saxe publicada na Semana Illustrada de 10/09/1865 (esq.) foi inspirada em fotografias dos dois personagens (dir.)

A foto mencionada acima mostra D. Pedro II e o Duque de Saxe num acampamento militar, durante a guerra. As fotografias originais, no entanto, revelam que os dois personagens foram retratados separadamente em estúdio e, posteriormente, ‘acrescentados’ à foto. Essa descoberta mostra que durante o processo de cópia as fotos sofriam interferências que, segundo Marçal, eram tanto de caráter editorial quanto pessoal.

 

A fotorreportagem publicada em O Besouro , de 1877, sobre a seca no Ceará tem, pela primeira vez, a fotografia como ponto principal: a fidelidade com que ela foi ‘transportada’ para o jornal é que assegura o choque que a matéria tencionava causar. Esse caráter de denúncia só seria explorado muitos anos depois, no século 20, quando a reprodução fotomecânica chega ao Brasil. Mas isso já seria tema para um outro trabalho.

“Nosso estudo levantou mais perguntas que respostas”, diz Marçal. Por isso, a pesquisa — que integra um projeto mais amplo sobre o fotojornalismo no Brasil, coordenado pelo professor Luiz Antonio Coelho, também da PUC-Rio — deve prosseguir, em termos geográficos e cronológicos.

Gisele Lopes
Ciência Hoje on-line
09/04/03