Uma técnica pioneira que usa nanopartículas artificiais para o tratamento de câncer pode, no futuro, se tornar uma ótima opção para sanar problemas no coração, tanto provocados por aterosclerose quanto por transplantes.
A novidade será apresentada neste sábado na 25ª Reunião Anual da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), realizada entre os dias 25 e 28 deste mês em Águas de Lindoia (SP).
Desenvolvido pelo lipidólogo Raul Maranhão, coordenador do Laboratório de Metabolismo de Lipídeos da Universidade de São Paulo (USP), o estudo utiliza uma técnica aperfeiçoada por ele na década de 1990.
O pesquisador criou uma nanopartícula que simula a molécula de transporte de colesterol para as células, a lipoproteína de baixa densidade (LDL, na sigla em inglês).
A criação do lipidólogo, batizada de LDE, mostrou grande afinidade por células cancerosas, o que permitiu que servisse de sistema de entrega de drogas quimioterápicas usadas para combater a doença.
“Como a captação da LDE pelo tumor é de cinco a dez vezes maior do que pela célula normal, garantimos o mesmo efeito terapêutico que a injeção do medicamento livre, mas com praticamente zero toxicidade, ou seja, sem efeitos colaterais”, revela Maranhão, que testou a técnica em ratos e, posteriormente, em pacientes com câncer.
Coelhos e corações
O lipidólogo também testou as nanopartículas em coelhos com aterosclerose, obtendo 60% de redução nas lesões provocadas por essa doença (ou até 85%, quando usava dois quimioterápicos). O sucesso da técnica levou o cirurgião Noedir Stolf, diretor do Instituto do Coração (Incor), a estabelecer uma colaboração com Maranhão para testar as nanopartículas em coelhos transplantados.
“Os problemas relacionados com transplantes de coração têm mecanismos similares aos da aterosclerose: uma reação inflamatória crônica e proliferativa”, explica o pesquisador. Os resultados confirmaram isso, sendo observada uma redução de 50% no processo inflamatório e no comprometimento das artérias.
Para Maranhão, essa é uma grande notícia, já que a doença coronariana de transplante, uma das principais causas de morte entre os transplantados, está relacionada a esses problemas – e não tem cura. “Esse pode ser um primeiro passo para mudar isso”, aposta.
“No tratamento da aterosclerose e do transplante, as nanopartículas também se concentram nas áreas lesadas – no caso do coração transplantado, chega a quatro vezes mais que um órgão normal – e zeram a toxicidade das drogas usadas, como o paclitaxol e o metotrexato”, acrescenta o lipidólogo.
Os pesquisadores agora querem estender o estudo para usar dois quimioterápicos simultaneamente e, mais tarde, realizar estudos clínicos em humanos. “Talvez, no futuro, essa técnica possa ser aplicada a todos os tipos de transplante”, sugere Maranhão.
Fred Furtado
Ciência Hoje/ RJ
O repórter viajou a Águas de Lindóia a convite da Fesbe.