As aparências enganam

Você seria capaz de assegurar que todo negro tem a maioria dos genes herdada de ascendentes africanos? Atenção: a resposta pode estar além da aparência. Um estudo da equipe do geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sugere que a cor da pele de um brasileiro, estimada apenas por avaliação física, não determina que ele tenha um grau geneticamente elevado de afrodescendência.

Publicada em dezembro de 2002 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences , a pesquisa expõe os riscos de se associar cor e ancestralidade geográfica. Para saber em que medida eles se relacionam, os pesquisadores usaram marcadores genéticos autossômicos propostos em um estudo anterior. Trata-se de um conjunto de 10 genes com freqüência bastante distinta na Europa e na África, que a equipe de Pena transformou estatisticamente em um ‘Índice de Ancestralidade Africana’ (AAI).

Para comprovar sua eficácia em separar afrodescendentes de não-afrodescendentes, os pesquisadores analisaram amostras de DNA cedidas pela Universidade do Porto (Portugal) de 20 indivíduos daquele país e 20 da ilha de São Tomé (costa oeste da África). Os portugueses apresentaram valores de AAI negativos, entre -16,4 (menos africanos) e – 4,9. Já os valores dos indivíduos de São Tomé ficaram entre +2,9 e +13,6. “Ao verificar uma freqüência imensamente diferente do AAI nos dois grupos, vimos que os marcadores genéticos escolhidos faziam uma boa distinção entre eles”, conta Pena.

Em seguida, os cientistas analisaram 173 indivíduos de Queixadinha, comunidade rural de Minas Gerais. “Primeiro, um médico e uma enfermeira classificaram subjetivamente cada um em branco, negro e intermediário, levando em conta pigmentação da pele, cor e textura do cabelo, além da forma do nariz e dos lábios”, explica Pena. Comparados os resultados dos dois avaliadores, chegou-se a uma classificação de 30 negros, 29 brancos e 114 intermediários. Os pesquisadores analisaram amostras de DNA desses indivíduos e os classificaram em função do Índice de Ancestralidade Africana.

O grupo classificado como negro teve uma proporção significativa de ancestralidade não-africana: 48%. O grupo de intermediários, com 45% de ancestralidade africana, mostrou-se mais próximo ao grupo de negros do que aos brancos — com 31% de ancestralidade africana. “Os ditos ‘brancos’ (com variação de AAI de -10 a +5) estão bem longe dos resultados das amostras de Portugal (nas quais o AAI variou entre -16,4 e -4,9)”, diz Pena.

Mas as conclusões se aplicam a todo o Brasil? A equipe de Pena analisou amostras de 49 indivíduos da região Norte, 49 do Nordeste, 50 do Sudeste e 52 do Sul. O resultado não foi diferente do de Queixadinha. “O grupo com menor AAI foi o do Sul, seguido do Norte, que tem forte presença de índios”, conta Pena. “Mas mesmo os brancos do Sul eram bem menos ‘europeus’ que os de Portugal. Embora no Brasil a aparência física seja muito valorizada, separar indivíduos pela cor não significa quase nada em termos genômicos e geográficos.”

Elisa Martins
Ciência Hoje on-line
29/01/03