As duas faces da comunicação

Como deve ser a apresentação de dados científicos? Cientistas ‘concorrentes’ devem trocar informações para alavancar a produção de conhecimento? De quem é a responsabilidade por divulgar a ciência para o grande público? Durante o 63º Encontro de Prêmios Nobel em Lindau, na Alemanha, pesquisadores e divulgadores mostraram que essas e outras questões relativas à comunicação da ciência têm espaço até nos mais altos escalões da academia.

O debate foi norteado pela divisão entre a comunicação unidirecional e a bidirecional. A primeira seria representada pela divulgação científica, que ocorre quando os cientistas comunicam os resultados de sua pesquisa para o público em geral. Já a segunda se refere à comunicação dos pesquisadores entre si para permitir a análise de seus dados e sugestões de alternativas de investigação.

Um obstáculo enfrentado nesse processo de troca de informações ganhou destaque na discussão: a competição entre os cientistas. “Não seria mais produtivo se os pesquisadores que investigam um mesmo tema fossem colaboradores em vez de rivais e juntassem seus esforços para obter resultados?”, questionou um membro da plateia.

Kobilka: Poderia haver muito progresso se os cientistas colaborassem mais entre si

O médico Brian Kobilka, agraciado com o Nobel de Química em 2012 por elucidar tanto a estrutura quanto o funcionamento de receptores acoplados a um tipo de proteína, concordou que poderia haver muito progresso se os cientistas colaborassem mais entre si e comentou que, entre 1999 e 2000, ele aprendeu muito sobre cristalização de proteínas com um dos seus rivais. “O problema é que não há garantias de que a outra pessoa não vai se aproveitar de você. Seria maravilhoso se ninguém jogasse sujo.”

Outra questão que veio à tona foi a existência de uma pressão para se publicar apenas resultados positivos, como se uma pesquisa que não tivesse obtido sucesso fosse menos válida. Para a química Ada Yonath, que recebeu o Nobel de Química de 2009 por elucidar a estrutura e o funcionamento do ribossomo, todos deveriam publicar o que fazem, mesmo se tiverem falhado. Segundo ela, foi assim com seu trabalho.

Dois anos após obter seus primeiros cristais de ribossomo, ela teve dificuldade para que seus colegas a levassem a sério. Por isso, escreveu um artigo explicando tudo o que havia sido feito, todos os experimentos que tiveram sucesso e os que falharam. “Ele foi publicado em 1982 e as primeiras 100 cópias se esgotaram rapidamente”, contou Yonath. E acrescentou: “Mas, obviamente, não estou falando de falhas comuns, como derrubar um aparelho no chão ou coisas assim.”

Os pesquisadores também ressaltaram a necessidade de se ampliar o acesso aos artigos científicos, o que muitas vezes esbarra nos altos custos de publicação e na retenção dos direitos autorais pelas editoras. A bioquímica Martha Fedor, editora da revista científica norte-americana The Journal of Biological Chemistry (JBC), argumentou que há muitos custos envolvidos na publicação de um artigo e na manutenção de um site.

Fedor chamou a atenção para o modelo adotado no JBC, que libera gratuitamente na internet a versão enviada pelo autor 24 horas depois que o artigo é aprovado para publicação. O texto gratuito permanece disponível enquanto o artigo é formatado para os padrões da revista, o que dura cerca de dois meses. Depois disso, a versão do autor é retirada e é preciso uma assinatura para baixar a versão final. Um ano após a publicação, o artigo se torna gratuito.

The Journal of Biological Chemistry
A questão do acesso livre aos periódicos foi um dos destaques do debate no evento em Lindau. Na revista científica ‘The Journal of Biological Chemistry’, os artigos são disponibilizados gratuitamente na internet um ano após sua publicação. (imagem: reprodução)

“Fomos os primeiros a ter uma presença on-line e a liberar os artigos após um período determinado”, diz ela, lembrando que o JBC é da Sociedade Americana para Bioquímica e Biologia Molecular e não de uma editora particular.

Sobre a possibilidade de que um sistema de acesso gratuito fizesse com que pesquisas de baixa qualidade ganhassem mais visibilidade, o químico Harold Kroto, prêmio Nobel de Química de 1996 pela descoberta do fulereno, argumentou que a revisão por pares se encarregaria de separar o joio do trigo. “É como no cinema, onde a opinião dos críticos e o boca a boca promovem os filmes bons”, ilustrou.

Responsabilidade pela divulgação

Quando o assunto é divulgar a ciência para o grande público, uma questão foi destacada: de quem é essa responsabilidade, dos jornalistas ou dos cientistas? Para Beatrice Lugger, vice-diretora do Instituto Nacional de Comunicação Científica, da Alemanha, não há dúvida: “A responsabilidade por traduzir ciência não é do jornalista, é do pesquisador.”

Sobre a forma como a mídia divulga o conhecimento científico, Adam Smith, diretor editorial da Nobel Media AB, comentou que, em 90% dos casos, os jornalistas querem saber para que serve a pesquisa. “A ciência básica, que não tem um alvo concreto, não correria o risco de ser considerada inútil pelo público?”, questionou, provocando Kobilka sobre como ele fala de seus resultados em entrevistas.

Kobilka afirmou que sempre procura mostrar que a pesquisa básica é importante, porque os cientistas nunca sabem de onde virá a próxima descoberta. Em muitos casos, o conhecimento gerado só se torna útil muitos anos depois.

Kroto: Por não fazerem parte da cultura da ciência, os jornalistas têm dificuldade de entender a linguagem dos cientistas

Kroto acredita que, por não fazerem parte da cultura da ciência e não conseguirem ver beleza em uma equação, os jornalistas têm dificuldade de entender a linguagem dos cientistas. Ele ironizou o fato de, em entrevistas, sempre lhe pedirem para explicar seu trabalho sem usar matemática. “Tenho vontade de perguntar: ‘você acha que uso esses cálculos para dificultar minha vida?’”

A afirmação de Kroto foi endossada por membros da plateia, que acreditam que os repórteres de ciência deveriam entender o conteúdo científico. Fred Guterl, editor da revista de divulgação científica Scientific American, discordou: “Ele deve ter algum conhecimento. Por exemplo, é bom que saiba o que é uma molécula, mas dizer que precisa ser um expert não faz sentido.”

Um repórter que estava na plateia acrescentou que ninguém é especialista em tudo. “Aposto que vocês se inteiraram do bóson de Higgs pela mídia e não por artigos científicos.” Por outro lado, ele destacou a responsabilidade do cientista pela divulgação dos resultados de suas pesquisas, para prestar contas à sociedade do uso que é feito do dinheiro público. “Há uma obrigação moral de se reportar à população”, finalizou.

Fred Furtado*
Ciência Hoje/ RJ

* O jornalista viajou a Lindau a convite da organização do evento.