As outras dollies

Debbie, Denise, Diane e Daisy estão bem de saúde. Elas não mostram sinais de envelhecimento precoce, como ocorreu com a gêmea idêntica delas, há cerca de uma dúzia de anos.

Há 20 anos, era anunciada ao mundo a existência do primeiro mamífero clonado – na verdade, como gosta de ressaltar o pesquisador britânico Ian Wilmut, o chefe dos trabalhos, “o primeiro clone adulto, ponto final”. A notícia da ovelhinha nascida no Reino Unido espalhou-se urbi et orbi velozmente. O mundo quase parou para ver Dolly (1996-2003), que se tornou o animal mais famoso do planeta.

No início de 1997, quando Dolly foi anunciada ao mundo, jornalistas de dezenas de países se alvoroçaram em torno do Instituto Roslin, na Escócia. As personagens da hora eram Dolly e seu ‘criador’, o embriologista Wilmut. Para dar alguma sensação de proximidade com os fatos, vale dizer que este signatário trabalhava ali ao lado, em Londres, e solicitou ao Roslin permissão para visitar Dolly e entrevistar pesquisadores. Resposta (à época, por fax): Não. O jornalista insiste e diz que quer apenas “ver” a Dolly e “dar um rápido passeio pelo local”. Nova resposta: Não.

Há 20 anos, era anunciada ao mundo a existência do primeiro mamífero clonado

Ambas recusas em tom educado. Mas a justificativa era a mesma: a experiência com a imprensa havia sido “muito instrutiva” (leia-se, massacrante), mas, agora, era hora de normalizar a rotina de trabalho, explicava o assessor de imprensa do Instituto Roslin.

As quatro ovelhas com ‘D’ – clonadas a partir da mesma ovelha adulta da qual foi clonada Dolly – estão em uma fazenda da Universidade de Nottingham (Reino Unido), onde vivem 13 desses animais, todos clonados. Como disse à BBC o especialista da Universidade de Nottingham Kevin Sinclair, responsável pelo estudo de monitoramento desses clones, esses devem ser os animais mais monitorados do mundo no momento.

As ovelhas passam por exames físicos nas juntas, bem como por uma bateria de testes que inclui diagnósticos por raios X e ressonância magnética. Os animais são checados para problemas cardiovasculares e articulares, bem como diabetes, todos característicos de um quadro de envelhecimento.

A questão que está por trás de tamanho zelo é extremamente relevante para a ciência: saber se clones são saudáveis ou se envelhecem precocemente.

Explicando: Dolly foi obtida juntando-se o núcleo – onde está o material genético – de uma célula adulta (no caso, uma célula mamária de uma ovelha de seis anos de idade) e um óvulo desnucleado. Os especialistas ainda hoje desconfiam que, nesse processo, é possível que alguma ‘memória’ do envelhecimento do animal doador do núcleo tenha sido transferida para Dolly, que, digamos, pode ter nascido com características de um envelhecimento precoce. Ou não.


Corpo embalsamado de Dolly, no Museu Nacional da Escócia. (foto: Tim Vickers /  University of Nottingham)

Dolly foi criada em 8 de fevereiro de 1996 e nasceu em 5 de julho daquele ano, mas foi apresentada ao mundo apenas no início de 1997. Seu nome vem do fato de ela ter sido clonada de uma célula mamária. E um dos pesquisadores se lembrou do busto farto da cantora de música country norte-americana Dolly Parton.

Dolly morreu com 6,5 anos – uma ovelha pode chegar ao dobro disso. Ela e outras ovelhas acabaram contraindo um vírus que causou lesões pulmonares nelas. Por conta disso, ela foi sacrificada em 14 de fevereiro de 2003. Mas o problema central – e preocupação atual dos pesquisadores da área – era outro: Dolly tinha osteoastrite (degeneração da cartilagem das articulações), mas era muito jovem para desenvolver esse quadro, típico de indivíduos velhos.

Então, ficou a questão: a osteoastrite foi azar ou dano colateral da clonagem?

A Nature (30/6/16) traz uma mesa-redonda com os pesquisadores envolvidos na clonagem de Dolly. O bate-papo ficou muito interessante, pois é um tipo de ‘conversa de bastidores’, mostrando que a ciência não é tão linear como defendem alguns.

Quando Dolly se tornou estrela da mídia, era crível pensar que, em duas décadas, teríamos uma imensidão de clones – até mesmo de humanos –, bem como um ‘Everest’ de problemas éticos. Praticamente todas as previsões, positivas e negativas, naufragaram. Um dos envolvidos na clonagem de Dolly confessou recentemente que, até hoje, se pergunta como o processo deu certo. A técnica segue dificultosa. No caso de Dolly, foram feitas 277 fusões (núcleo mais óvulo), obtidos 29 embriões, mas só um chegou a termo.

Dolly – que, poucos sabem, foi mãe de seis – ‘vive’ hoje no Museu Nacional da Escócia, em Edimburgo. Embalsamada. Ela segue (merecidamente) sendo o animal mais famoso do século passado. E, talvez, ainda deste.

 

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ