Astronomia aquecida na Antártica

Vem da Antártica uma das notícias mais quentes sobre o estudo da evolução do universo. O maior telescópio já instalado no continente gelado acaba de fazer suas primeiras imagens de aglomerados de galáxias. O monitoramento desses objetos celestes deve ajudar a mapear a estrutura do universo.

As imagens foram feitas pelo Telescópio do Polo Sul (SPT, na sigla em inglês) a partir do mapeamento da chamada radiação cósmica de fundo, emitida após o Big Bang, explosão que deu origem ao universo. Os resultados foram apresentados em primeira mão na 27ª Assembleia Geral da União Astronômica Internacional (IAU), realizada de 3 a 14 de agosto no Rio de Janeiro.

Segundo John Carlstrom, da Universidade de Chicago (EUA), uma das nove instituições que fazem parte da colaboração responsável pelo SPT, a radiação cósmica de fundo é capaz de evidenciar a estrutura do universo, pois os corpos celestes interferem nas ondas eletromagnéticas que chegam à Terra. “Há uma riqueza de informações para se extrair da radiação cósmica de fundo”, disse ele à CH On-line.

Carlstrom explica que pequenas sombras nos mapas revelam aglomerados de galáxias e que observar a evolução desses objetos – quando começaram a se formar, qual é seu tamanho e como se dá seu crescimento ou redução – pode dizer muito sobre a dinâmica do universo. “Queremos mapear como a estrutura do universo está avançando desde o Big Bang”, completa.

Condições ideais
A confluência de fatores capazes de melhorar a qualidade das observações contribui para que as expectativas em relação ao sucesso da iniciativa sejam animadoras. Para começar, o SPT é o maior telescópio do mundo para medir radiação cósmica e foi desenvolvido especialmente com esse fim. Em operação desde 2007, o dispositivo tem espelho principal de 10 metros de diâmetro, que confere grande resolução às suas imagens, e conta com mil detectores para mapear todo o céu.

O clima extremamente frio e seco da Antártica e as elevadas altitudes do continente fornecem condições ideais para captar um certo tipo de ondas eletromagnéticas (foto: Karim Agabi).

Além disso, as imagens do SPT não sofrem interferência, porque a Antártica tem as condições ideais para a observação do tipo de onda detectado por esse telescópio.

O clima extremamente frio e seco – com temperatura média durante o inverno abaixo de -60 ºC – aumenta a sensibilidade para a captação de certo tipo de ondas eletromagnéticas. A quantidade de vapor d’água na atmosfera é de 3 a 5 vezes menor do que em outras latitudes, o que evita a absorção da radiação.

As altitudes elevadas – entre 3 mil e 4 mil metros, aproximadamente – são outro fator que contribui para a atividade astronômica na Antártica, bem como sua atmosfera transparente e estável. Praticamente não há vento no topo das montanhas, o que aumenta de 2 a 3 vezes a visibilidade em relação a outras regiões. E os astrônomos ainda podem contar com um grande número de horas de observação por ano, já que o continente fica na escuridão durante os meses de inverno.

“Estamos descobrindo o quão boas são as condições de observação na Antártica”, resume Michael Burton, pesquisador da Universidade de New South Wales (Austrália) e presidente do grupo de trabalho da IAU para o desenvolvimento da astronomia na região.

Para os pesquisadores, todo esse incentivo da natureza faz com que valha a pena instalar grandes instrumentos científicos e bases de pesquisa na Antártica, apesar dos custos com transporte e da preparação dos equipamentos para suportar as condições climáticas extremas. Para se ter uma ideia, as 320 toneladas de equipamentos usados na construção do SPT foram levadas ao continente gelado por um avião que sustentava apenas 11.800 quilos por voo.

Rápido avanço em infraestrutura
O cenário favorável aqueceu o investimento em astronomia na Antártica. Hoje, há quatro principais estações de pesquisa no continente gelado e apenas uma delas foi instalada antes da virada deste século. “Estamos vendo agora um rápido desenvolvimento da astronomia na Antártica, com a construção de telescópios maiores e melhores”, avalia John Storey, também da Universidade de New South Wales.

A pioneira na astronomia antártica foi a Estação do Polo Sul Amundsen-Scott, construída pelos Estados Unidos, em operação desde 1957. Localizada a 2.900 metros de altitude, ela abriga hoje três grandes experimentos astronômicos: o Telescópio do Polo Sul, o Telescópio de Neutrinos Cubo de Gelo e o Telescópio Bicep – que mede a polarização (orientação das oscilações) da radiação cósmica de fundo.

Estação norte-americana Concórdia, inaugurada em 2005 no Domo C da Antártica, a cerca de 3.200 metros de altitude. Um dos mais recentes resultados obtidos pelo telescópio Lucas, instalado ali, foi a captação do espectro lunar por meio de observações feitas durante seis horas sem interrupção – um feito impossível em nossa latitude.

Em 2005, foi inaugurada a base Concórdia, no chamado Domo C, localizado a cerca de 3.200 metros de altitude. Construída por meio de uma colaboração entre França e Itália, a estação tem entre seus principais experimentos astronômicos o telescópio Lucas, usado para captar o espectro lunar e o brilho da Terra refletido no lado escuro da Lua em sua fase crescente. 

A Antártica tem ainda um observatório astrofísico construído na estação chinesa localizada a cerca de 4.100 metros de altitude, no ponto mais alto do continente. E o Japão também está construindo uma estação de pesquisa a cerca de 3.800 metros de altitude, com previsão de conclusão em 2014.

Por causa das peculiaridades de cada local onde estão instaladas as estações de pesquisa e dos experimentos conduzidos em cada uma delas, as parcerias entre instituições de diferentes países são frequentes e devem crescer ainda mais no futuro.

Pesquisadores jogam uma partida de vôlei em um dia de Sol no Domo C da Antártica, a uma temperatura de -30ºC (foto: Patrik Kaufmann).

“A colaboração internacional é uma vocação da pesquisa na Antártica”, diz Vladimir Papitashvili, do Instituto Meteorológico Dinamarquês, em Copenhague (Dinamarca).

E se você pensa que o frio extremo e as seguidas noites de escuridão no inverno assustam os pesquisadores que viajam para a Antártica, não se engane. Eles contam que a experiência é aprazível.

Muitos encontram tempo inclusive para relaxar tomando um solzinho – quando ele aparece – ou para jogar uma partida de vôlei no gelo, mesmo que ela não dure muito. Ao que tudo indica, as temporadas de pesquisa no continente gelado podem ser mais divertidas do que se imagina… 

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
11/08/2009