Autor acusa discurso falacioso da mídia sobre DNA

Algumas notícias sobre genética parecem retiradas de livros de ficção científica. Pelo que sugere a grande imprensa, a decifração do genoma humano trará um futuro perfeito, no qual doenças, tempo e velhice não poderão nos atingir: estaria nos genes a resposta definitiva para todas as questões biológicas. Esse mito, que caracteriza a chamada ‘febre biologista’, é o que o jornalista Claudio Tognolli tenta desmontar em seu livro A falácia genética: a ideologia do DNA na imprensa .

A obra analisa e questiona a forma como a mídia apresenta temas científicos para o grande público. O autor mostra como grande parte dos jornalistas não está preparada para escrever sobre ciências: eles pintam uma imagem heróica dos cientistas e transformam em verdades absolutas as verdades historicamente transitórias da prática científica.

O livro é resultado da tese de doutorado defendida por Claudio na Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo (USP) em 2002, e traz uma série de entrevistas que alimentaram a pesquisa, com especialistas em genética, bioética e jornalismo.

A obra nasceu da idéia de tentar demarcar nos jornais e revistas a febre biologista que caracteriza a forma como a ciência é retratada na época atual. “Cria-se a idéia, sobretudo na mídia, de que mudando as peças dos genes teremos seres sãos e longevos. Segue-se a moda dos técnicos de computação: troca-se o chip, o computador fica bom”, observa.

Baseado sobretudo no pensamento do biólogo norte-americano Richard Lewontin, Claudio argumenta que somos sistemas abertos, como a meteorologia, influenciados pelo meio, ou seja, pelo contexto sócio-econômico. Segundo ele, a imprensa parece muito distante de notar isso, ao apontar os genes como o Santo Graal da existência humana — eis a ‘falácia genética’.

Na era da biotecnologia reducionista em um mundo globalizado, na qual ‘transparência’ e ‘objetividade’ surgem na ciência como conceitos dominantes, o autor tenta desmascarar “a ideologia da imprensa”, que coloca o gene como limite para todas as respostas. Escritos em função de critérios obscuros de ‘novidade’, na maioria das vezes os artigos não dão conta de explicar o fenômeno biotecnológico em toda sua extensão. Claudio denuncia que a febre biologista, aparentemente auto-suficiente e imparcial, atenderia sobretudo a interesses dos laboratórios fornecedores de suprimentos para empresas biotecnológicas.

O estudo da bioética na imprensa, trazida à tona pelo avanço da biotecnologia, seria segundo o autor um aspecto original de seu trabalho. Num momento em que algumas seitas alimentam a esperança de reencarnação do Cristo pela clonagem de supostos fragmentos de DNA encontrados no Santo Sudário, a bioética surge como mediadora entre os discursos da ciência e da religião.

Por ser derivado de uma tese, o livro é escrito em linguagem acadêmica, com citações do universo do jornalismo, da biologia, da sociologia e da filosofia (de Platão a Michel Foucault). Embora isso torne a leitura pesada, o esforço é recompensado pelas reflexões levantadas na obra.

 

A falácia genética – a
ideologia do DNA na imprensa

Claudio Tognolli
São Paulo, 2003, Escrituras
336 páginas – R$ 14,50

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
24/03/04